O TCU atrapalha o bom desenvolvimento das obras de infraestrutura do Governo Federal?

São comuns críticas de autoridades do Poder Executivo acerca da atividade de fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU). A alegação central dessas críticas seria o suposto fato de que “burocratas” do TCU, preocupados em seguir requisitos formais e de menor importância, estariam determinando a paralisação de uma grande quantidade de obras do Governo Federal, com elevado prejuízo para o País, devido ao atraso na conclusão de infraestrutura vital para acelerar o crescimento da economia.

Em setembro de 2009, por exemplo, a Folha On Line publicou a seguinte declaração do Ministro do Planejamento:

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, criticou hoje (…)a atuação do TCU (Tribunal de Contas da União).

Disse que o órgão assume as funções de poder Judiciário, Legislativo e Executivo, em vez de se concentrar em seu papel de corte de fiscalização ligada ao Congresso.

Paulo Bernardo afirmou, em tom brincalhão, que se o tribunal continuar nesse passo, o Brasil não conseguirá realizar a Copa do Mundo em 2014, só em 2020.

É natural que altas autoridades empenhadas em acelerar o ritmo de investimentos sintam-se incomodadas com procedimentos que frustram a conclusão de obras. Mas será que, de fato, o TCU atrapalha?

1. Não é o TCU quem paralisa as obras. O TCU realiza auditorias. Quando encontra indícios de irregularidades, recomenda (não determina) ao Congresso Nacional que não aloque verbas no orçamento federal para aquela obra. Quem toma a decisão final é o Congresso Nacional, no âmbito da Comissão Mista de Orçamento.

A criação desse mecanismo ocorreu em 1994 quando do escândalo de corrupção na obra da sede do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. Embora estivesse evidente que havia desvio de dinheiro naquela obra, não existiam mecanismos institucionais capazes de barrar a destinação e o desembolso de verbas orçamentárias. Por isso, o Congresso passou a incluir nas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) um dispositivo prevendo que o TCU deveria recomendar a não alocação de verbas para obras com indícios de irregularidades, e que o Congresso deveria bloquear no orçamento a sua execução física e financeira, até a correção das irregularidades.

Trata-se, portanto, de um mecanismo preventivo, de “estancar a sangria” no momento em que ela é detectada. Procedimento muito mais eficaz do que nada fazer e aguardar que auditorias feitas posteriormente constatem formalmente as irregularidades e os prejuízos, abrindo-se um lento, custoso e quase sempre infrutífero processo de responsabilização criminal e de tentativa de recuperação do dinheiro perdido.

O mecanismo mostrou-se bastante eficaz em episódios marcantes como o da chamada “Operação Navalha” da Polícia Federal que, em 2007, detectou um esquema de corrupção em obras públicas centralizado na construtora Gautama. Antes mesmo da deflagração da operação policial, o TCU já havia apontado irregularidades graves nas obras e o Congresso já havia suspendido a alocação de recursos orçamentários.

2.Os parâmetros de preços são adequados. Uma crítica comum é a de que o TCU usaria preços de referência nacionais, sem levar em conta diferenças regionais e custos de frete. A afirmação não é correta. O TCU utiliza dois sistemas de preços:  o SICRO (elaborado pelo DNIT, existente há quase quarenta anos e submetido a permanente aperfeiçoamento) e o SINAPI (sistema de preços da construção civil elaborado em conjunto pela Caixa Econômica Federal e o IBGE). Ambos os sistemas apuram os custos por região, em bases mensais e são fontes de referência consistentes.

Ademais, a legislação permite que o TCU aceite valores superiores aos de referência, desde que haja justificativa técnica. Além disso, o grau de detalhamento desses sistemas é suficientemente amplo para que se possa compor custos a partir da quantidade de cada material individual utilizado, de modo que se pode diferenciar, por exemplo, o custo de pavimentação de uma rodovia de alto tráfego (que exige piso mais resistente) de uma estrada vicinal de baixo tráfego.

3.As apurações são detalhadas a ponto de detectar manipulações de planilhas. Uma reclamação comum é de que o TCU aponta irregularidades em obras devido a preços elevados em alguns itens da obra, mesmo quando o custo total está abaixo daquele indicado pelos parâmetros técnicos. Esse procedimento do TCU é correto, pois a apresentação, em licitação, de propostas que contêm itens muito caros e outros muito baratos constitui um artifício conhecido como “jogo de planilhas”.

Com o objetivo de ganhar a licitação, há empreiteiros que calculam um custo total competitivo, subfaturando alguns itens e superfaturando outros. No momento de execução da obra, ele executa apenas as partes nas quais os itens estão superfaturados. Quando chega o momento de fornecer os itens subfaturados, ele tem várias opções. A mais simples é abandonar a obra (depois de ter recebido pela parcela superfaturada). Mas ele também pode pressionar por um aditamento de contrato ou, simplesmente, usar uma quantidade menor dos itens subfaturados do que aquela prevista na licitação. Em todos os casos a obra acaba saindo mais cara para o contribuinte.

4.Não é qualquer pequena irregularidade que leva o TCU a recomendar a não alocação de recursos para uma obra. Somente obras com indícios de irregularidades graves recebem a recomendação de suspensão de recursos orçamentários. Faz-se uma avaliação dos benefícios (estancar procedimentos nocivos ao erário) e custos (perdas decorrentes da obra paralisada) antes de se recomendar a paralisação. As Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) estabelecem claramente que as irregularidades devem alcançar valores relevantes em relação ao custo total da obra. A técnica de auditoria utilizada é de examinar a planilha de custos das obras, analisando os itens em ordem decrescente de valor e de impacto no custo total.

Não se trata, portanto, de recomendar a paralisação da construção de uma hidrelétrica “porque as vassouras compradas pelo departamento de limpeza estavam superfaturadas”. Os critérios para recomendação de paralisação são objetivos, e incluem principalmente :  superfaturamento, projeto básico deficiente ou desatualizado, edital (ou contrato ou aditivo contratual) incompleto ou inadequado e restrição à competição no processo licitatório.

Cabe chamar atenção para outra medida muito utilizada como alternativa à paralisação: a retenção parcial de valores. Nela opta-se pela anuência à continuidade da obra – mesmo com indícios de irregularidades – sempre que fique comprovado na fiscalização que o eventual prejuízo seja de natureza exclusivamente financeira e seja assegurado pelo gestor, sob diversas formas possíveis, um provisionamento de garantias suficientes à cobertura do risco envolvido[1]. Este procedimento permitiu que 20% das obras suscetíveis de paralisação em 2009 e 34,92 % em 2010 não fossem objeto de bloqueio da respectiva execução, sem risco de prejuízo aos cofres públicos.

5. O Congresso Nacional é quem tem a palavra final. O Gráfico abaixo mostra que o número de recomendações de bloqueio feitas pelo TCU difere bastante do número de obras efetivamente bloqueadas pelo Congresso. Em alguns anos o Congresso bloqueia mais obras que o recomendado pelo TCU e, em outros anos, bloqueia menos obras.

Gráfico 1 – Bloqueio de obras: número de obras apontadas pelo TCU e número de obras efetivamente bloqueadas pelo Congresso Nacional

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do TCU e do Congresso Nacional 2

6.O número e o porte das obras bloqueadas são ínfimos em relação ao total dos investimentos públicos. Em 2010 os bloqueios atingiram apenas 0,43% das obras incluídas na Lei Orçamentária Anual. Desde 2004 o maior percentual de obras atingidas por bloqueios foi de 1%, em 2005 . As obras bloqueadas em 2010 somavam R$ 5,45 bilhões, o que representa menos de 5% do investimento total de R$ 128 bilhões autorizado pelo orçamento[3].

7.Grande parte das obras representa problemas crônicos. O Gráfico 2 indica o percentual de obras com recomendação de paralisação em cada ano que já estavam na lista há mais de três anos. Fica evidente que, a cada ano que passa, é maior a concentração da recomendação de paralisação em obras com problemas crônicos. Em 2010 nada menos que 80% das recomendações encaixavam-se nessa categoria, o que leva a crer que as fiscalizações do TCU estão induzindo uma melhoria na gestão de novas obras, que agora estão sendo aprovadas na malha fina das auditorias: um inequívoco benefício para o país.

Gráfico 2 – Percentual de obras que acumulam recomendação de paralisação  há mais de três anos seguidos

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do TCU e do Congresso Nacional.

Assim, os dados demonstram que a atuação dos órgãos de controle externo – embora sujeita a eventuais erros e imprecisões como qualquer outra atividade governamental – não representa em si um obstáculo ao investimento público, nem a sua supressão implicaria em ganhos para o desenvolvimento.

Em vez de um problema em si mesmo, a detecção de irregularidades tem sido um termômetro que indica a existência de problemas de gestão mais sérios, e os bloqueios preventivos têm servido como forma de minimizar prejuízos ao Erário, induzindo uma gestão mais eficiente e reduzindo desperdícios e fraudes.


[1] Para uma descrição detalhada desse mecanismo, veja Nota Técnica Conjunta 09/2009 das Consultorias de Orçamento do Congresso Nacional (Saiba mais).

[2] “TCU” corresponde ao total de subtítulos para os quais o Tribunal recomendou o bloqueio da execução, e “Congresso” ao total de subtítulos constantes do Anexo específico de bloqueio de obras da mesma Lei.

[3] Fonte: sistema SIGA Brasil e leis orçamentárias de cada exercício, com os respectivos relatórios. Dados de execução até maio/2010.

Para ler mais sobre o tema:

Brasil. Câmara dos Deputados – Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira/Senado Federal – Consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle. Nota Técnica Conjunta 10/2009 – Mitos e fatos sobre o mecanismo de paralisação de obras com indícios de irregularidades graves. Brasília: Câmara dos Deputados/Senado Federal, 2009.