Contas públicas: um trabalho a recuperar e aplicar

Estudo feito pelo Banco Mundial em 2017, a pedido do governo Temer, seria um bom começo para presidente que assumir em 2023.

Por Roberto Macedo

É sabido que a situação das contas públicas brasileiras é lastimável. Cronicamente desequilibradas nos seus aspectos econômico-financeiros, levam a endividamento exagerado, que paga juros altos, prejudica o crescimento econômico e alimenta incertezas quanto à solvência da dívida pública, o que inibe investimentos privados e repercute negativamente sobre mercados como o de câmbio. Os impostos carecem de reformas – projetos nessa linha existem, mas a coisa não anda ou anda mal. E, do lado das despesas, elas só tendem a aumentar, e sem os cuidados necessários quanto à sua eficácia e eficiência.

Essa questão fiscal é o grande nó que emperra a gestão governamental e prejudica o avanço econômico-social do Brasil, que tem ficado para trás na corrida internacional deste avanço. Carece de estudos aprofundados, que levassem a propostas concretas de solução dos muitos e complexos problemas existentes. Da atual administração não se pode esperar nada, pois é pautada pelo desgoverno. O presidente que assumir ou reassumir em 2023 terá de se debruçar sobre o problema logo após o resultado da eleição, empenhar-se em buscar um profundo e efetivo diagnóstico do assunto e avançar na execução das mudanças propostas.

Um bom começo seria um documento do Banco Mundial intitulado Um ajuste justo – análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil, que pode ser encontrado buscando esse título no Google. Concluído em 2017, teve a colaboração de dezenas de especialistas, e sugiro que seja consultado por estudiosos do assunto, cidadãos em geral e, particularmente, pelos candidatos a presidente da República e seus assessores.

Creio que esse estudo tenha se perdido por desconhecimento, desinteresse ou falta de empenho do governo que se seguiu, que efetivamente não se pauta por um plano de reestruturação fiscal e tem até contribuído para agravar ainda mais os problemas das contas públicas. O texto tem 160 páginas, lista os membros da equipe do Banco Mundial que o elaboraram, a pedido do governo Temer, num trabalho que também contou com especialistas brasileiros e internacionais, e recebeu comentários de vários integrantes da equipe econômica de então, de outros funcionários do governo federal, de colaboradores do Banco Mundial e de Teresa Ter-Minassian, ex-diretora do Departamento de Assuntos Fiscais do Fundo Monetário Internacional (FMI), em cuja condição participou de várias missões ao Brasil desde a década de 1990 e tratava de questões ligadas ao País.

Para quem não quiser encarar as 160 páginas do texto, uma boa visão vem das 16 páginas iniciais, que abrangem um prefácio, um sumário na forma de índice e um resumo executivo, este com dez páginas.

Alguns trechos destacam a importância do conteúdo: “O principal achado de nossa análise é que alguns programas governamentais beneficiam os ricos mais que os pobres, além de não atingir de forma eficaz os seus objetivos. (…) A análise é baseada nas melhores práticas internacionais e na revisão da eficiência dos gastos entre as diferentes entidades e programas governamentais. Com ela, queremos estimular que os debates considerem não apenas a alocação dos recursos públicos, mas também as premissas que devem nortear os gastos de forma a promover a eficácia nos serviços prestados e igualdade social. (…) é um grande desafio. Abrangerá mais de um mandato presidencial e exigirá um diálogo extenso, incluindo governos subnacionais, movimentos sociais, sindicatos, associações empresariais e muitos outros grupos. Acreditamos que, quanto antes o País iniciar esse debate e enfrentar seus problemas, mais cedo será possível transformar sua realidade e retomar o caminho da prosperidade compartilhada com todos”.

O resumo executivo termina com tabela de uma página que sintetiza as opções de políticas públicas para os setores analisados e seu impacto na eficiência, na equidade e no potencial de economia fiscal – este num período que, na data do relatório, se estenderia até 2026. Esse potencial alcançaria 8,36% do PIB, um valor expressivo, que dá substância ao termo ajuste que marca o título do documento. Seria um ajuste mesmo.

Para administrar projeto como este, entendo necessária a recriação do Ministério do Planejamento, cujas atividades passaram ao Ministério da Economia, onde ficam em posição secundária, pois este é muito voltado para o dia a dia das finanças do governo, sem que seu ministro dê a devida atenção a um projeto voltado para um horizonte mais longo, como este que o documento elaborado pelo Banco Mundial propõe.

É indispensável que o novo ou reeleito presidente assuma a liderança do projeto de levar adiante um ajuste como este, num contexto de articulação política em que também cobraria medidas para serem implementadas já no seu mandato. O objetivo, em última análise, seria o de retirar o Brasil da armadilha da renda média em que caiu a partir dos anos 1980 – da qual até agora não saiu –, em larga medida armada por governos incompetentes que o País teve na maior parte desse período.

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 7 de abril  de 2022.

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