Renovando o Meio Ambiente e a Segurança nas Rodovias: O Programa Renovar

Da Vitória Qualificação [1]

A Medida Provisória (MPV) nº 1.112/22 instituiu o Programa de Aumento da Produtividade da Frota Rodoviária no País, o Renovar. O Programa funcionará como agregador de iniciativas e ações voltadas à retirada de circulação, de forma progressiva, dos veículos em fim de vida útil, à renovação de frota e à economia circular no sistema de mobilidade e logística do País. Tive a grande honra de ser relator desta MPV na Câmara dos Deputados, onde pude discuti-lo com os Ministérios da Economia, Infraestrutura, Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e representantes do setor privado, especialmente da indústria automotiva. A MPV 1.112/22 foi aprovada em 02 de agosto de 2022 no plenário da Câmara dos Deputados como Projeto de Lei de Conversão (quando há mudanças na MPV) e no dia seguinte no plenário do Senado sem alterações de mérito, e aguarda sanção presidencial.

O mérito da proposta me convenceu principalmente por causa dos seus dois principais objetivos: contribuir para a urgente melhoria do meio ambiente e para o incremento da segurança nas estradas brasileiras. O Renovar ataca estes dois problemas que, infelizmente, não se resolvem espontaneamente sem uma intervenção inteligente do Estado.

Renovar incentiva o desmonte ou destruição, como sucata, de caminhões, ônibus, vans e implementos rodoviários antigos, baseados em tecnologia bem mais poluidora, trocando-os por novos. De fato, o material particulado emitido por caminhões que atendem à atual fase do Programa de Controle de Emissões Veiculares – Proconve P-7- chega a ser 96% menor do que em caminhões que atendem aos requisitos da fase P-3, do início dos anos 2000. Essa menor emissão de partículas no ar pelos veículos automotores pode reduzir problemas de saúde que custaram ao Sistema único de Saúde – SUS –, em 2018, mais de R$ 1,3 bilhão, em função de internações devido a problemas respiratórios. E ainda há um dado muito preocupante: caminhões e ônibus respondem por 47% da poluição do ar por carbono negro na cidade de São Paulo, mesmo sendo apenas 5% da frota veicular. Estes valores tendem a ser ainda maiores se considerarmos também as vans e furgões, que fiz questão de acrescentar aos bens elegíveis da proposta, o que amplia bastante o seu alcance social.

Vale ressaltar que nossa matriz logística se concentra em mais de 60% no modal rodoviário, o que torna esse modo de transporte vital para a distribuição de produtos e serviços e, consequentemente, para o bom funcionamento de nossa economia. Tendo em vista que quase um quarto dos nossos caminhões têm mais de trinta anos de fabricação, e, portanto, consomem mais óleo diesel e têm manutenção mais custosa, sua substituição por veículos mais modernos tem o potencial de impactar substancialmente os custos de frete, que por sua vez têm influência direta nos índices de inflação.

Além disso, equipamentos muito antigos tendem a oferecer mais riscos de ocorrência de falhas mecânicas, o que pode causar acidentes. No caso de veículos pesados, sabemos que acidentes podem ter consequências particularmente desastrosas. De fato, a falha mecânica é apontada como causa de 3% a 5% dos acidentes de trânsito no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. A ocorrência de acidentes com caminhões, bem como o dano ao ocupante, aumenta conforme avança a idade dos veículos, uma vez que caminhões mais novos trazem consigo novos itens e requisitos de segurança. De fato, os veículos novos, além de livres do desgaste ao qual os antigos foram submetidos, contam com tecnologia mais avançada e itens de segurança adicionais (não obrigatórios anos atrás) que nos fazem crer que a renovação da frota evitará acidentes e salvará vidas.

Renovar constitui mecanismo baseado em parcerias negociais ou operacionais entre a instituição coordenadora das iniciativas e as instituições financiadoras ou parceiras públicas ou privadas. Por meio da Plataforma Renovar, operada pela ABDI, a qual coordenará a iniciativa de âmbito nacional, os proprietários de caminhões, ônibus, vans e implementos rodoviários antigos poderão vendê-los e adquirir novos veículos com os recursos recebidos dos financiadores, além de benefícios e condições especiais oferecidas pelos parceiros.

O mecanismo de financiamento que deverá ser mais utilizado no Programa se dará por meio das contratadas para exploração e produção de petróleo e gás natural. O incentivo será dado pelo fato de o projeto permitir que os recursos aplicados nas iniciativas sejam considerados no cálculo de adimplemento de obrigações contratuais de pesquisa, desenvolvimento e de inovação (PD&I) naquele setor.

Este foi um ponto que recebeu algumas críticas de que se estaria retirando recursos de investimento em PD&I para o Programa. Segundo o Ministério da Economia, no entanto, frequentemente este valor não é cumprido, ensejando multas às empresas. O investimento no Renovar seria uma forma de evitar este tipo de penalidade quando não houver demanda suficiente para aquela finalidade.

De qualquer forma, me sensibilizei pelo argumento que não é desejável reduzir o montante gastos nestes programas de ciência e tecnologia em um país tão carente deste tipo de atividade. Afinal, são estes dispêndios que sustentam o incremento da produtividade da atividade econômica do País que é o que permite incrementos sustentados na renda dos brasileiros.

Entendemos que a distribuição ideal de recursos ano a ano, no entanto, está longe de ser estática e, portanto, não faz sentido cravar um percentual pela via legislativa. Dessa forma, propus regra na qual o Poder Executivo deverá regulamentar a proporção entre recursos destinados a PD&I e ao Renovar. Quando houver interesse da empresa em financiar o Programa, o montante correspondente deverá ser limitado ao teto estabelecido. O Poder Executivo é o agente com melhores condições de definir ano a ano, de acordo com os avanços da PD&I e das necessidades de renovação da frota, qual montante de recursos adequado a cada iniciativa.

As empresas de desmontagem participantes do Renovar poderão comercializar os materiais decorrentes da desmontagem ou destruição como sucata. Tais empresas destinarão à iniciativa nacional ou às outras iniciativas credenciadas o montante correspondente ao valor, por elas definido no ato de adesão.

Espera-se, com isso, o fortalecimento do mercado de reciclagem de veículos, o que por si só contribuirá para a preservação ambiental, uma vez que promove destinação das peças de forma mais sustentável e adequada.

Com relação às recicladoras, observamos que o texto original da Medida Provisória não esclarece os critérios para a escolha de empresas para atuação no Renovar. A ABDI, em parceria com a Fundação Getúlio Vargas, desenvolveu estudo cujas conclusões apontam para o fato de que, no mundo[2] em geral, e também no Brasil, a atividade de reciclagem veicular é, via de regra, deficitária. Ou seja, a receita auferida com a venda de peças e do aço frutos da desmontagem não seria suficiente sequer para cobrir os custos dessa atividade. A Medida Provisória previa apenas pagamento, por parte das recicladoras, pelo veículo a ser reciclado. Assim, entendemos ser necessário propor texto que permita a remuneração da recicladora, no sentido de tornar o arranjo do programa viável no caso concreto.

Por se tratar de atividade remunerada, e também por envolver direito à incorporação dos valores obtidos com a venda das partes recicladas, entendemos que essa escolha deve se basear em elementos de direito público, especificamente nos princípios da impessoalidade e da economicidade. Assim, propomos diretrizes para a escolha das empresas parceiras a ser feita pelo Poder Executivo.

No sentido de reforçar os mecanismos em favor dos impactos positivos para o meio ambiente, e fazer com que esta certificação tenha consequências concretas em favor desses objetivos, propomos que, por meio da certificação, os benefícios para a aquisição de novos veículos no âmbito do Renovar sejam crescentes com os resultados alcançados. Essa seria típica regulação de incentivo que, a depender de como for concretizada, pode representar estímulo a veículos sempre mais seguros e ambientalmente adequados. Aqui a velha regulação por “comando e controle” perde espaço para uma abordagem mais moderna em que se conta com os incentivos aos esforços e ao uso da melhor informação pelos agentes privados para atingir os objetivos do regulador.

Cabe destacar aperfeiçoamentos adicionais da Medida Provisória, sugeridas por meio de emendas parlamentares e pelo diálogo com o setor produtivo.

O Deputado Jerônimo Goergen propôs a remissão de débitos não tributários dos veículos no Renovar e a criação de linha de crédito no BNDES para aquisição de novos veículos, proposta também pelo Senador Mecias de Jesus. Ambas medidas incrementam a atratividade do Renovar e podem ser determinantes para o sucesso da iniciativa.

O Deputado Hugo Leal sugeriu regras aperfeiçoando procedimentos relativos aos veículos em fim de vida útil ou transferidos por leilão, confisco, apreensão ou doação à Administração, permitindo a baixa do veículo independentemente da existência de débitos fiscais ou multas. Permitem, ainda, a remoção de veículo abandonado, deteriorado ou acidentado sem responsável no local do acidente, medida sugerida também pela Deputada Christiane Yared. Essas medidas conferem maior fluidez ao processo nos departamentos estaduais de trânsito.

Em parceria com o Ministério da Infraestrutura, por meio da Secretaria nacional de Trânsito, oferecemos diversas alterações no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) que, em seu conjunto, contribuirão para o aumento da segurança e da fluidez do trânsito além de aumentar a eficiência dos processos relacionados à sua gestão. Profundamente discutidas com membros de câmaras temáticas do Conselho Nacional de Trânsito (Contran)[3] e com entidades representantes de transportadores, essas sugestões foram construídas visando a corrigir falhas conhecidas do CTB.

Dentre elas, destaco, por exemplo, alteração proposta ao art. 67-C. Esse dispositivo obriga os motoristas profissionais a observar descansos regulares durante o exercício de sua atividade, sob pena de multa no caso de inobservância desses intervalos. Em que pese a boa intenção do comando e a reconhecida importância do descanso para a preservação da atenção e reflexos do motorista, é atributo desejável do legislador que observe a realidade fática do País e a considere ao propor normas de tamanho impacto. Nosso País não oferece infraestrutura suficiente para que os intervalos impostos sejam cumpridos em todas as rotas possíveis. A despeito dos ditames da Lei do caminhoneiro[4], que incentiva a criação dos pontos de parada e descanso, são frequentes as rotas nas quais o motorista simplesmente não consegue cumprir a regra do descanso pela total ausência de local seguro e adequado para estacionar o veículo. Nossa decisão, revestida de bom senso e amparada pelas discussões desenvolvidas, foi no sentido de suspender a aplicação de multa nesses casos. Naturalmente, onde houver pontos de parada e for possível cumprir a norma, ela continuará sendo aplicada. Entendo que o Estado não pode impor ao cidadão obrigação sem, por outro lado, oferecer meios para que ela seja cumprida e, como se não bastasse, aplicar multas por seu não cumprimento. Nosso texto corrige essa insensata realidade hoje em vigor.

Em favor do transporte de cargas e do transportador autônomo (TAC), ajustei a Lei nº 10.833, de 2003, para promovera isonomia tributária entre o TAC e as empresas de transporte. Atualmente, a norma define que poderá haver crédito presumido de 75% sobre o percentual de PIS/Cofins de 9,25% apenas quando uma empresa de serviços de transporte rodoviário de carga subcontratar um transportador autônomo ou transportadora optante pelo Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte – SIMPLES.

No entanto, se o usuário final do serviço contratar diretamente um transportador autônomo ou transportadora optante pelo SIMPLES, este crédito presumido não pode ocorrer. Ou seja, esse dispositivo, apesar de permitir que o crédito do PIS/Cofins seja efetivado com a operação de transporte realizada pelo autônomo, obriga a que haja a intermediação da empresa de serviços de transporte rodoviários. Nossa proposta promove isonomia fiscal e concorrencial entre as empresas e os caminhoneiros autônomos, oferecendo maior neutralidade ao sistema: o usuário escolherá diretamente um autônomo ou uma empresa conforme preços e confiabilidade/qualidade do transporte sejam mais vantajosos para si. A forma de incidência dos tributos deixa de afetar as decisões dos usuários, afastando os artificialismos competitivos.

Ainda sobre a tributação incidente na atividade de transporte rodoviário de cargas, objeto principal desta Medida Provisória, apresentamos dois ajustes adicionais à legislação do Pis/Pasep e Cofins. Na Lei nº 10.865/2004, propomos ajuste para permitir a restituição, ressarcimento ou compensação do estoque de créditos não consumido regularmente na sistemática da não-cumulatividade, nos casos de operações de importação e revenda de bens, não abarcadas por isenção, alíquota zero ou não incidência do Pis/Cofins.

Incluímos ainda os serviços associados às atividades com suspensão da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, da Contribuição para o PIS/Pasep-Importação e da Cofins-Importação, hoje vigente, no caso de regime de drawback suspensão, apenas para mercadorias. Embora muitas empresas façam uso de serviços prestados por terceiros na produção dos bens destinados à exportação, tais serviços não podem ser adquiridos sob amparo do regime de drawback suspensão, já que o mecanismo em questão, à luz da legislação atual, viabiliza a suspensão de tributos que recaem apenas sobre mercadorias importadas ou compradas localmente para a produção de itens destinados ao mercado externo.

Enfim, o Renovar constitui política pública que mitiga externalidades negativas relacionadas à poluição gerada por veículos automotores e à possibilidade de danos a terceiros ocasionados por acidentes, além da redução do custo de transporte nas rodovias, diminuindo o chamado “Custo Brasil”. Assim, os benefícios extrapolam o setor de transporte rodoviário e atingem toda a sociedade, com impactos positivos para a economia, a segurança viária e o meio ambiente. As outras modificações introduzidas racionalizam procedimentos de trânsito e tornam mais eficiente e isonômica a tributação de forma a beneficiar a concorrência no transporte de caminhões, especialmente desonerando a atuação dos autônomos.

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[1] Deputado Federal pelo Espírito Santo.

[2] Exceto nos Estados Unidos, onde a dinâmica do mercado automotivo é tal que, aliada ao desenvolvimento tecnológico, viabiliza o mercado de reciclagem de veículos e recertificação de peças.

[3] As Câmaras Temáticas, órgãos técnicos vinculados ao Contran, são integradas por especialistas e têm como objetivo estudar e oferecer sugestões e embasamento técnico sobre assuntos específicos para decisões daquele colegiado.

[4] Lei nº 13.103, de 2 de março de 2015.