A importância do ambiente regulatório para atração de investimentos privados em infraestrutura no Brasil

 Por Katia Rocha*

A crise de saúde do COVID-19 destacou o subinvestimento crônico em infraestrutura social em todo o mundo e expôs o Brasil, bem como diversos emergentes, a decisões de políticas de controle da propagação do vírus e apoio às atividades social e econômica dos indivíduos e negócios.

Em recente relatório[1], o BID ressalta que após a fase atual onde os governos concentram esforços na mitigação dos impactos imediatos com políticas de transferências para populações vulneráveis e créditos e garantias para empresas; os países emergentes, em especial os da América Latina, deveriam estimular o investimento em infraestrutura de forma a promover e potencializar um crescimento econômico sustentável, integração regional e reduzir a desigualdade.

O investimento em infraestrutura deve ser parte central da política de estímulo uma vez que impacta diretamente o crescimento econômico, aumenta a produtividade, diminui desigualdades e potencializa maior integração e comércio internacional.

Esse artigo apresenta ao leitor o panorama dos investimentos públicos e privados em infraestrutura econômica na última década no Brasil, estima o impacto de melhorias regulatórias no volume de investimentos privados, e termina com algumas considerações práticas.

No Brasil, existe consenso que a infraestrutura inadequada é uma das principais barreiras ao crescimento e ao desenvolvimento. A despeito de diversos programas nacionais ao longo do tempo, o Brasil não conseguiu aumentar substancialmente a sua taxa de investimento em infraestrutura, nem tampouco melhorar a qualidade da mesma, resultando em uma lacuna significativa de infraestrutura, seja medida em termos do estoque de capital físico, seja pela percepção qualitativa do serviço fornecido.

Segundo dados da InfraLatam[2], o investimento público em infraestrutura no Brasil foi inferior ao de seus pares da América Latina, conforme ilustra a Figura 1. Enquanto Costa Rica, Peru, Uruguai e Colômbia apresentaram níveis de investimento público médio acima de 2% do PIB ao ano na última década (2008-2019), o Brasil não superou 1% do PIB ao ano no mesmo período[3].

Figura 1: Investimento Público Médio em Infraestrutura (%PIB aa): 2008-2019

Fonte: InfraLatam

A participação privada vem gradativamente suprindo esta lacuna, em especial, após a crise global de 2008, que potencializou a classe de ativos de infraestrutura como uma oportunidade de investimento atrativa e rentável, capitaneada pelas baixas taxas de juros internacionais, necessidades de diversificação e maior aversão a risco global.

No Brasil, de acordo com os dados divulgados pelo Banco Mundial[4], o setor privado contribuiu com um investimento médio anual da ordem de 1% do PIB[5], e juntos, setor público e privado, responderam por cerca de 1.85 % do PIB na média anual na última década (2008-2019) conforme ilustra a Figura 2. Considerando a necessidade de investimento em infraestrutura no Brasil superior a 4% do PIB, resta ainda uma expressiva lacuna. Como exemplo, estimativas feitas pelo Global Infrastructure Outlook[6] apontam para uma necessidade de investimento em infraestrutura de 4.74% do PIB ao ano (cerca de USD 120 Bilhões/ano) até 2040, o que coloca a lacuna de infraestrutura em 2.89% do PIB ao ano (4.74% – 1.85%), um total aproximado de USD 1.2 trilhão ao final de 2040[7]. Desse montante, o setor de transportes, principalmente rodovias, é responsável por mais da metade, refletindo os grandes déficits neste setor no Brasil.

 Figura 2: Investimento Público x Privado em Infraestrutura (%PIB aa)

Fonte: InfraLatam e PPI Database – World Bank

Não somente o fluxo de investimentos, mas também a percepção da qualidade do serviço de infraestrutura no Brasil deixa a desejar. De acordo com o pilar de infraestrutura do índice de competitividade global de 2019, que mede a qualidade, extensão e eficiência da infraestrutura de transporte (rodoviário, ferroviário, aquático e aéreo), acesso à energia elétrica e água, o Brasil se encontra na posição 78 (numa amostra de 141 países).

Em vista da limitação atual do financiamento público brasileiro, o debate recai sobre as recomendações de políticas públicas necessárias para estimular uma maior e melhor (mais eficiente) participação privada de investimento em infraestrutura. A melhoria das características institucionais e regulatórias do país que promovam os investimentos privados de forma sustentável será particularmente importante nos próximos anos. Nesse sentido, é importante analisar o ambiente regulatório Brasileiro e seus impactos sobre os investimentos privados no setor, identificando gargalos e ineficiências onde o poder público possa atuar.

O texto para discussão de Rocha (2020) fornece uma importante métrica ao formulador de políticas públicas ao estimar a resposta dos investimentos privados a uma melhora nos respectivos rankings regulatórios[8]. Os resultados indicam que uma melhora no ranking de qualidade regulatória do Brasil (atualmente na posição 48ª, onde a melhor é 100a) para o mesmo nível ocupado em meados de 2000 (65a colocação, posição atual da Colômbia), teria o potencial de adicionar 0.81% do PIB ao ano em investimentos privados. Caso alcance os níveis Chilenos (84a colocação atualmente), o acréscimo seria de 1,59% do PIB ao ano. Tal valor equivale, praticamente, a duplicar o atual nível de investimentos em infraestrutura no Brasil, que atingiria 3,44% do PIB ao ano (1.59% + 1.85%), valor ainda aquém, porém mais próximo à meta de 4.74%.

Mesmo tendo em mente toda limitação de um exercício econométrico e da própria base de dados utilizada, os resultados são significativos e relevantes, e destaca toda uma agenda de políticas públicas atualmente em debate no Brasil, que abrange desde maior segurança jurídica, estabilidade regulatória, fortalecimento da interação entre Estado e iniciativa privada, à maior abertura econômica, desburocratização e desestatização.

Algumas recomendações práticas, extraídas de estudos citados nas referências, sobre aprimoramentos regulatórios, que potencializam melhoras no ranking de qualidade de regulação no Brasil são enumeradas a seguir. Basicamente se classificam em três frentes de aperfeiçoamentos: 1) estruturação e avaliação de projetos, 2) planejamento institucional e 3) financiamento de projetos.

A primeira frente sobre estruturação de projetos abrange aperfeiçoamentos nos critérios formais de seleção de projetos; desenvolvimento de banco de projetos estruturados com prioridades de investimento; normas para contratação rápida de consultores de qualidade com procedimentos de colação e/ou short-list[9]; fortalecimento da figura da estruturadora independente neutra à licitação[10]; explicitação da matriz de risco do projeto com legislação de repartição objetiva entre as partes; mecanismos para avaliação de ratings de projetos entre outros.

A segunda frente sobre aprimoramentos institucionais visa maior priorização das Parcerias Público Privadas (PPPs) no plano nacional de infraestrutura e desenvolvimento estratégico de longo prazo, incentivando maior integração dos projetos com as prioridades de investimento do governo e maior centralização nas tomadas de decisão, uma vez que o planejamento é prejudicado pela priorização equivocada de projetos e/ou pelas múltiplas emendas parlamentares; fortalecimento “de facto” das agências reguladoras; transparência nas renegociações dos contratos; padronização contábil de prestação de contas; avanços nos procedimentos de licenciamento ambiental; fortalecimento das instituições de supervisão e controle, com respectiva delimitação de competência, de forma a reforçar os mecanismos de responsabilização das instituições e gestores públicos, entre outros.

Finalmente, na terceira frente relacionada ao financiamento dos projetos, melhorias quanto à repactuação de contratos de concessão, visando sua transferência de controle e continuidade na prestação dos serviços públicos (step in right/step in techical); aprimoramento dos fundos garantidores, project finance e performance bonds; mecanismos para desenvolvimento do mercado secundário das debêntures de infraestrutura, com incentivo fiscal para investidores institucionais; eliminação das  ineficiências tributárias sobre investidores estrangeiros incluindo questões relativas a emissões internacionais, entre outros.

Cabe citar os esforços e avanços do governo federal na consolidação de um arcabouço regulatório propício aos investimentos em infraestrutura. Em 2016, foram aprovadas a Lei das Agências Reguladoras, a Lei das Estatais e o Programa de Parcerias de Investimento (PPI), cuja secretaria viabiliza a preparação e estruturação de um banco de projetos para concessões e fornece informações sobre projetos e políticas de investimentos do governo federal a investidores, com maior segurança jurídica e previsibilidade. Em 2020, aprovou-se o novo Marco Legal de Saneamento, e em 2021 a Nova Lei do Gás. Em tramitação e análise, encontram-se o PL 3453/2008, que altera o Marco Regulatório das parcerias público-privadas (PPPs), que promete trazer maior segurança jurídica, desburocratização e estabilidade regulatória para investimentos privados em infraestrutura; e o PL 2646/2020 sobre financiamento e debêntures de infraestrutura, dentre outros (cabotagem, ferrovias, setor elétrico) igualmente importantes ao setor.

Tais iniciativas são meritórias e caminham, não na velocidade desejada, mas na direção correta a uma agenda de maior eficiência dos investimentos públicos e privados em infraestrutura; melhorando a competitividade e alavancando o crescimento econômico e social brasileiro.

Referências 

CASTELAR et al (2015). Estruturação de projetos de PPP e concessão no Brasil: diagnóstico do modelo brasileiro e propostas de aperfeiçoamento. IFC.

CURRISTINE,T.; GONGUET, F.; BETLEY, M.;  CROOKE, M.; TANDBERG, E.; MUNOZ MIRANDA, A.; Rabello, F.; VIÑUELA, L. (2018). Avaliação da Gestão do Investimento Público. Relatório da Assistência Técnica | Novembro 2018. Departamento de Finanças Públicas Fundo Monetário Internacional.

FGV-EAESP (2019). Propostas para Aperfeiçoamento do Novo Marco Legal de Parceria Público Privada e Concessões (PL 3453/08). Grupo da Economia da Infraestrutura & Soluções Ambientais da FGV-EAESP.

FRISCHTAK, C.; NORONHA, J. (2016). O Financiamento do Investimento em Infraestrutura no Brasil: Uma agenda para sua Expansão Sustentada. Confederação Nacional da Indústria.

INDERST, G.; STEWART, F. (2014). Institutional Investment in Infrastructure in Emerging Markets and Developing Economies. 2014 Public-Private Infrastructure Advisory Facility (PPIAF). World Bank.

PORTUGAL, M. (2011). Concessões e PPPs – Melhores Práticas em Licitações e Contratos. Atlas.

PORTUGAL, M. (2019). Investimento privado em infraestrutura: diagnóstico e propostas. Jota.

RAISER, M.; CLARKE, R.; PROCEE, P.; BRICENO-GARMENDIA, C.; KIKONI, E.; KIZITO, J.; VINUELA, L. (2017). Back to Planning: How to Close Brazil’s Infrastructure Gap in Times of Austerity. World Bank Group.

ROCHA, K. (2020). Investimentos Privados em Infraestrutura nas Economias Emergentes – A Importância do Ambiente Regulatório após a Crise Global na Atração de Investimentos. Texto para Discussão 2584. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

SEREBRISKY, T.; BRICHETTI, J.; BLACKMAN, A.; MOREIRA, M.  (2020). Sustainable and digital infrastructure for the post-COVID-19 economic recovery of Latin America and the Caribbean: a roadmap to more jobs, integration and growth. Inter-American Development Bank.

SEREBRISKY, T.; SUÁREZ-ALEMÁN, A.; PASTOR, C.; WOHLHUETER, A. (2017). Increasing the Efficiency of Public Infrastructure Delivery: Evidence-based Potential Efficiency Gains in Public Infrastructure Spending in Latin America and the Caribbean. Inter-American Development Bank.

WEF (2019). World Economic Forum. Improving Infrastructure Financing in Brazil. Insight Report. In collaboration with the Inter-American Development Bank. January 2019.

[1]  Serebrisky et al (2020).

[2] Dados disponíveis em http://infralatam.info/en/home/ que abrangem os setores de energia (eletricidade e gás), água e saneamento, transportes (rodovias, ferrovias, aéreo e portos) e telecomunicações.

[3] Nos emergentes de rápido crescimento, especialmente na Ásia, o padrão de investimento público em infraestrutura tem sido da ordem de 5 a 7% do PIB.

[4] A base de dados Participação Privada em Infraestrutura do Banco Mundial disponível em https://ppi.worldbank.org/en/ppi corresponde atualmente na maior e melhor base de dados públicos disponível para análise do investimento privado em infraestrutura econômica entre os países emergentes (baixa e média renda). Abrange 7000 projetos em 127 países (de baixa e média renda) desde 1990, nos setores de energia (eletricidade e gás), água e saneamento, resíduos sólidos, transportes (rodovias, ferrovias, aéreo e portos) e telecomunicações.

[5] De fato, o China, índia e Brasil, nesta ordem, corresponderam aos países que mais atraíram projetos privados no período.

[6]  Disponível em https://outlook.gihub.org/

[7] Essa lacuna dobra ao se considerar as metas de desenvolvimento sustentável (ODS) até 2030, mas pode reduzir-se em aproximadamente um terço com eventuais ganhos de eficiências de projetos conforme descrito em Serebrisky (2017).

[8] O estudo de painel abrange 18 economias emergentes – Argentina, Brasil, China, Chile, Colômbia, Índia, Indonésia, Malásia, México, Paquistão, Peru, Filipinas, Rússia, África do Sul, Tailândia, Turquia, Uruguai e Vietnam – que juntos representaram USD 1.3 trilhão e 4480 projetos privados direcionados à infraestrutura entre 2000-2018, e utiliza como indicador principal o índice de qualidade regulatória do Banco Mundial.

[9] Processos simplificados para selecionar projetos/consultores que considerem não apenas o preço, mas também características como a qualidade técnica dos prestadores de serviço, a exemplo dos projetos do Banco Mundial.

[10] Segundo propõe Castelar (2015), estruturadora remunerada pelo próprio projeto e “neutra” em relação à licitação, em detrimento daquelas participantes da licitação.

Katia Rocha é doutora e servidora de carreira do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA. As opiniões emitidas são de exclusiva e inteira responsabilidade da autora, não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do IPEA. Email: katia.rocha@ipea.gov.br.