Como o código de defesa do consumidor colabora para a eficiência da economia?

As relações de consumo são a base de um sistema capitalista. Garantir que as partes nessa relação estejam em condições de igualdade é fundamental para a prosperidade do mercado e para a geração de riquezas.

Já publicamos artigo neste site Como as Leis e o Poder Judiciário afetam a Economia? , no qual defendemos que as leis e as decisões judiciais, juntamente com os instrumentos que obrigam todos os cidadãos a cumpri-las (polícia, judiciário, fiscalização pública, etc.), fornecem um conjunto de incentivos aos cidadãos e empresas, que têm reflexos sobre a eficiência das transações econômicas.

Dessa breve introdução é que podemos extrair a importância do Código de Defesa do Consumidor (CDC) – Lei nº 8.078, de 1990. O princípio básico que norteia todo o Código é o Princípio da Vulnerabilidade do Consumidor: trata-se da aceitação de que o consumidor é a parte mais fraca da relação de consumo e, portanto, faz-se necessária uma tutela especial. Essa premissa é reconhecida pela Constituição Federal ao declarar que o Estado promoverá a defesa do consumidor (art. 5º, XXXII).

Relativamente à responsabilidade civil, isto é, à obrigação de reparar o dano ou o prejuízo causado a alguém, o CDC traz regras específicas para tentar obter efetividade na proteção do consumidor.

Dos estudos da análise econômica do direito, sabemos que o sistema de responsabilidade civil tem uma função importante na redução da frequência com que produtos e serviços viciados – que causam danos ao patrimônio, à propriedade, à saúde e até à vida dos consumidores – são oferecidos no mercado.

A regra basilar da responsabilidade civil no direito privado é a responsabilidade subjetiva que se resume na obrigação de indenizar somente quando ocorre a comprovação de dolo ou culpa por parte do causador do dano, cabendo ao prejudicado o ônus de demonstrar a existência desses elementos subjetivos.

No entanto, essa regra é inadequada para as relações de consumo, sendo necessária outra forma de se imputar o ônus face a produtos danificados. O mais adequado é a chamada responsabilidade civil objetiva.

Para gerar a responsabilidade civil objetiva, três requisitos devem estar presentes: uma determinada conduta a ser praticada pelo agente; a existência de dano a outrem; e o nexo causal entre a conduta e o dano (a conduta errada deve ter gerado o dano). Na responsabilidade civil subjetiva temos a necessidade da inclusão de um quarto pressuposto caracterizador: o dolo ou culpa do agente causador.

É fácil perceber que é muito mais simples provar o nexo causal do que provar a culpa. Por exemplo, pense no estouro de uma garrafa de refrigerante, devido ao excesso de gás, em que a tampa é arremessada no olho do carregador que estava manuseando o engradado. Sem necessidade de muita argumentação, prova-se que a explosão da garrafa de refrigerante feriu o funcionário, mas é bem mais complexo provar que o fabricante adota processos de engarrafamento negligentes.

Assim, não é despropositadamente que o CDC estabelece como regra a responsabilidade objetiva, isto é, o fornecedor responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados por defeitos ou inadequações de informações relativos aos produtos que colocou no mercado.

Mas como o sistema de responsabilidade civil, previsto no Código de Defesa do Consumidor, pode tornar mais eficientes as transações econômicas? Há danos em que os custos de barganha são exageradamente altos, de forma que impedem totalmente a cooperação. No caso da venda de produtos com problemas, o fabricante vai pensar que a maioria dos consumidores permanecerá ignorante a respeito da existência do problema. Consequentemente, o fabricante tem incentivo a não mencionar a falha. Nesse exemplo, o obstáculo para a cooperação é a ignorância dos consumidores e a decisão estratégica do produtor de manter a informação privada.

Ao alocar o custo de produtos defeituosos ao produtor, o sistema de responsabilidade o incentiva a ser precavido. Todo produto posto em circulação deve ter segurança suficiente para não acarretar danos a outrem, pois, se o contrário acontecer, surgirá o correspondente dever de reparar.

O modelo econômico que fundamenta a afirmação anterior é bem simples. Conforme ensinam os professores Cooter e Ulen, a probabilidade (p) de um acidente diminui com o aumento da precaução (x), logo a função p(x) é decrescente.

O valor do prejuízo causado por uma mercadoria viciada é representado por A. Assim, o prejuízo esperado é dado por p(x).A (que também é decrescente).

Se w for o custo unitário da precaução, consequentemente, w.x equivale à quantia total gasta com precaução. O custo esperado social de um prejuízo causado em decorrência de um produto defeituoso é a soma dos gastos relativos à precaução com o valor da indenização que deve ser igual ao prejuízo esperado: wx + p(x)A

Na situação em que existe a responsabilidade civil objetiva do produtor, este sabe que será responsabilizado no caso de um produto com problema e que terá que pagar uma indenização no valor do prejuízo da vítima. Isso faz com que ele escolha um nível socialmente eficiente de precaução (nível de precaução que minimiza os custos sociais esperados do acidente), desde, obviamente, que o valor das indenizações seja estabelecido no nível adequado. Indenizações baixas deverão levar a um nível de precaução abaixo do socialmente ótimo. Já indenizações excessivamente elevadas devem provocar um nível igualmente excessivo de precaução.

Praticamente toda atividade econômica traz embutido o risco em sua existência. A redução da margem de risco a baixos níveis pode ser muito dispendiosa ao negócio. O empresário tem que procurar o equilíbrio entre quanto de risco está disposto a correr e o custo que isso gera, de forma a maximizar seu lucro. A responsabilização civil objetiva prevista no CDC, ao garantir ao consumidor o ressarcimento pelos prejuízos sofridos em face de produto danificado, cria incentivos para que as empresas invistam em qualidade num nível eficiente.

Para ler mais sobre o tema:

COOTER, Robert; ULEN, Thomas.  Direito & Economia. Porto Alegre: Bookman, quinta edição, 2010.

MENEGUIN, Fernando B. “Como as Leis e o Poder Judiciário afetam a Economia?”. Disponível no site Brasil, Economia e Governo (http://www.brasil-economia-governo.org.br/2011/02/13/como-as-leis-e-o-poder-judiciario-afetam-a-economia/).