PIB ‘per capita’ deixa mais evidente a péssima situação da economia

Urge que o País tome plena consciência desse gravíssimo problema e passe à ação

Por Roberto Macedo

Continuo a pregar que o estado da economia é muito pior do que muitos imaginam, e muita gente até ignora o que se passa. Em 16/1/2020 escrevi aqui um dos meus primeiros textos sobre o assunto. Nele usei as taxas anuais de variação do produto interno bruto (PIB) total de 1901 a 2019, e suas médias por décadas revelaram dois movimentos. O primeiro, de forte tendência de aumento, foi da primeira década até a de 1970 – na qual o PIB total cresceu mais fortemente em todo o período –, resultando numa taxa média anual de 5,8%. No segundo movimento, desde a década de 1980 a taxa média anual das quatro décadas envolvidas caiu para apenas 2,4%. E a década passada revelou-se a pior de toda a série desde 1901!

É de estagnação esse segundo período, entremeado por recessões e por uma depressão, algo mais extenso e forte, que perdura desde 2015, e até hoje não voltamos ao PIB de 2014! No meu dicionário, uma estagnação ocorre quando o PIB não cresce à altura do potencial econômico de um país. É claramente o caso do Brasil. Acredito que com uma boa arrumação seu PIB poderia crescer bem mais do que vem crescendo desde 1980. Ainda não encontrei quem discordasse disso.

Pretendia refazer esses cálculos para o PIB per capita, já prevendo que os resultados de suas taxas seriam menores, pois elas descontam da variação do PIB total a taxa de crescimento populacional. O PIB per capita é um melhor indicador do bem-estar da população ao levar em conta o crescimento dela e o seu tamanho, como em diferentes países.

Mas em 15/12/2020 vi que o economista Cláudio Considera, da Fundação Getúlio Vargas no Rio, entrevistado pelo jornal Valor, já havia elaborado uma série do PIB per capita desde 1901 até 2020, e também outra do PIB total. Para definir décadas ele adotou critério um pouco diferente do meu, em que cada década conta a partir do ano zero, digamos, 1990, e vai a 1999, enquanto ele vai de 1991 a 2000. Mas isso deve ter afetado pouco as médias decenais.

A entrevista mostrava gráfico dessas médias para os dois PIBs. Tal como esperava, esse gráfico mostrou aproximadamente os mesmos dois movimentos da série que preparei. O primeiro, de forte aumento da primeira década até a de 1970, com a taxa média anual de 5,7% para o PIB total, bem perto da minha, de 5,8%, e de 3,2% para o PIB per capita. No segundo, essa taxa anual do PIB total cai fortemente para 2% a partir da década de 1980, também perto da que calculei, de 2,4%, mas com maior diferença, pois Cláudio Considera já incluiu o forte resultado negativo de 2020.

Quanto ao PIB per capita a partir de 1980, seus resultados mostram uma taxa média anual de apenas 0,5% nessas quatro décadas, incluídas taxas negativas de -0,6% nas décadas de 1980 e 2010. E sabe-se que, comparado com países desenvolvidos e em desenvolvimento, o Brasil vem tendo um desempenho abaixo da média tanto num PIB como no outro.

Ou seja, estamos ficando para trás na corrida pelo desenvolvimento econômico. E não vejo clara percepção disso, nem providências concretas a esse respeito. No momento, quase que só se discute a tal recuperação em V depois da primeira onda da Covid-19. Mas mesmo que se completasse – ainda falta a recuperação do setor de serviços – o PIB apenas estaria voltando a uma situação que já era má.

Ao lado da vacina, vejo essa situação dramática do PIB como a questão mais importante a ser enfrentada pelo Brasil, pois sem resolvê-la sempre faltarão recursos para nossas muitas necessidades, algumas muito graves, e o País continuará perdendo espaço na corrida mundial pelo desenvolvimento, na qual, como dito, vem ficando para trás.

Mas não vejo empenho do presidente da República nem do Congresso Nacional na busca de soluções para esse gravíssimo problema. O primeiro não demonstra maior interesse pelo assunto e às vezes até o agrava. Na atuação do Congresso no segundo semestre do ano passado, as eleições municipais receberam a atenção prioritária dos parlamentares. Depois disso só se fala na sucessão do comando das duas Casas. E, para não variar, no Congresso continua o tal recesso parlamentar, também para lamentar, numa omissão no socorro de que o País tanto carece.

Para concluir transcrevo e subscrevo parte de um manifesto da Coalizão Indústria, um grupo de 14 entidades do setor, entre elas a Eletros, da qual já fui presidente, pedindo “reformas já”, publicado em página inteira do jornal Valor do último dia 18: “Está na hora de virar o jogo! Temos tudo para fazer isso. Para tanto, governos, candidatos às presidências da Câmara e do Senado, parlamentares, Judiciário, empresários, trabalhadores, representantes da sociedade, todos precisam conscientizar-se da gravidade da situação e dar os passos necessários para impedir o que, afinal, é perfeitamente evitável: a perpetuação de uma economia de baixo crescimento e produtividade, incapaz de promover a melhoria na qualidade de vida da população”.

 Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 21 de janeiro de 2021.