The Great Resignation:

O fenômeno das demissões voluntárias

Por Luiz Alberto Machado*

Das diversas áreas de especialização da economia, considero uma das mais complexas a da economia do trabalho, que, em 2010, rendeu o Prêmio Nobel aos americanos Peter Diamond e Dale Mortensen e ao cipriota radicado na Inglaterra Charles Pissarides[1]. Na ocasião, o Banco Central da Suécia, responsável pela concessão do Nobel de Economia, justificou a indicação afirmando que “a teoria criada por Diamond, Mortensen e Pissarides visa explicar como uma taxa de desemprego elevada pode, às vezes, subsistir a despeito de uma oferta de empregos largamente disponível”. Seus modelos, continua o comunicado, “ajudam a entender como o desemprego, as vagas e os salários são afetados pela regulação e pela política econômica”.

As flutuações no nível de emprego, porém, estão longe de serem afetadas apenas pela regulação e pela política econômica, exigindo dos analistas atenção para diversos outros fatores, entre os quais o alcance e a qualidade do sistema educacional, o maior ou menor grau de abertura da economia, o posicionamento dos diferentes países quanto aos fluxos migratórios e, por que não, os efeitos de uma crise econômico-financeira ou de uma situação inesperada como foi a pandemia da Covid 19. Não raras vezes, alguns desses fatores se combinam, aparecendo simultaneamente.

Como parte dessa complexidade – e sinalizando, quem sabe, para uma tendência relativamente nova -, observamos hoje um fenômeno conhecido como Great Resignation, cuja tradução pode ser Grande Renúncia ou, mais livremente, Grande Demissão.

Embora sintomas desse fenômeno tenham surgido anteriormente, ele foi impulsionado pela pandemia da Covid 19, que teve como uma de suas consequências o surgimento de um novo relacionamento entre as empresas, diante da necessidade de flexibilizar  normas extremamente rígidas, e os trabalhadores, que passaram a trabalhar em suas próprias residências (home office).

Percebendo as novas possibilidades oferecidas por essa nova situação,  um número considerável de trabalhadores optou por pedir demissão, voluntariamente, em plena pandemia. Mais tarde, com o fim das restrições ao convívio social, outro contingente significativo não se interessou em retornar ao tradicional sistema presencial, ampliando o espectro dos demissionários voluntários.

O fenômeno é mais frequente em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, cujo índice de desemprego é baixo e o mercado de trabalho está aquecido. Lá, mais de 4 milhões de norte-americanos deixam seus empregos voluntariamente por mês.

Evidentemente, o fenômeno não se estende a toda a população, mas a um grupo privilegiado, geralmente de perfil jovem, masculino e de escolaridade alta, que não vê grandes dificuldades para se recolocar no mercado de trabalho, quer na condição de funcionário, quer como empreendedor[2].

Segundo levantamento do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), no Brasil, entre julho de 2021 e julho de 2022, foram registrados 6,5 milhões de pedidos de demissão de trabalhadores com carteira assinada, em que pese a conjuntura marcada por alto índice de desemprego, inflação elevada e taxa de juros contracionista.

De acordo com pesquisa encomendada pela Você S/A ao estúdio de inteligência de dados Lagom Data, todos os meses quase 500 mil brasileiros pedem demissão, o dobro do registrado nos anos anteriores à pandemia. Entre os principais motivos que levam à demissão voluntária no Brasil destacam-se: a busca por realização pessoal, além da profissional, por meio de mais flexibilidade no trabalho e da priorização da saúde mental, mantendo distância de ambientes corporativos considerados tóxicos.

E, apesar dos esforços das organizações, o fenômeno ainda não acabou. Estudo divulgado recentemente pelo Capgemini Research Institute[3] envolvendo 2.250 indivíduos de 750 organizações indica que 34% dos funcionários planejam deixar sua empresa atual dentro de um ano.

Encerro mencionando um aspecto no mínimo intrigante revelado pelo referido estudo:

“Enquanto 92% dos líderes acreditam que os funcionários que gerenciam estão felizes no trabalho, nosso relatório mostra que apenas 30% dos funcionários se sentem da mesma forma. Os trabalhadores citam a falta de equilíbrio entre vida profissional e pessoal, oportunidades de qualificação e envolvimento em modelos de trabalho híbridos como os principais fatores que levam a uma divisão entre o que os líderes pensam e como os funcionários se sentem.”   

*Luiz Alberto Machado é economista pela Universidade Mackenzie (1977), mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012), assessor da Fundação Espaço Democrático, conselheiro da FIESP e membro do Instituto Fernand Braudel.


[1] MACHADO, Luiz Alberto. Nobel de 2010 contempla área de economia do trabalho. Disponível em https://www.souzaaranhamachado.com.br/?s=Nobel+2010.

[2] No Brasil, em particular, o fenômeno é registrado com mais intensidade nas áreas de tecnologia da informação e inteligência artificial, como pode ser visto em MACHADO, Luiz Alberto. A aparente contradição entre desemprego e escassez de mão de obra. Disponível em http://www.brasil-economia-governo.org.br/2021/10/27/a-aparente-contadicao-entre-desemprego-e-escassez-de-mao-de-obra/.

[3]  O relatório completo da pesquisa está disponível em https://prod.ucwe.capgemini.com/wp-content/uploads/2022/10/People-Experience-Research_Report_web.pdf.

2 comentários em “The Great Resignation”

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