Os efeitos nefastos da Convenção 158 da OIT

Os efeitos nefastos da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho

Por Eduardo Pastore* e Fábio Pina**

O Supremo Tribunal Federal está julgando a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho.

Resumidamente, a Convenção 158 dispõe sobre o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador. Ela prevê que a demissão pode ocorrer se a empresa comprovar que está em crise financeira, em conjunturas de mudanças tecnológicas ou se o trabalhador demissionário não tiver mais condições de exercer suas funções.

Caso a Convenção 158 passe a integrar o ordenamento jurídico brasileiro, a demissão de trabalhadores no Brasil se alterará drasticamente. Vejamos seu texto:

O artigo 4º da Convenção determina que a demissão do trabalhador se dará somente se a empresa comprovar uma “causa justificada para tal”, baseada na “necessidade de funcionamento”.

Conforme o artigo 5º, as seguintes condições não podem ser consideradas causas justificadoras para a demissão: i) a filiação a um sindicato ou a participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante as horas de trabalho; ii) ser candidato a representante dos trabalhadores ou atuar ou ter atuado nessa qualidade; iii) apresentar uma queixa ou participar de um procedimento estabelecido contra um empregador por supostas violações de leis ou regulamentos ou recorrer perante as autoridades administrativas competentes; iv) a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades familiares, a gravidez, a religião, as opiniões políticas, ascendência nacional ou a origem social; v) a ausência do trabalho durante a licença-maternidade.

O artigo 7º da Convenção 158 estabelece que “não deverá ser terminada a relação de trabalho de um trabalhador por motivo relacionado com seu comportamento ou seu desempenho antes de se dar ao mesmo a possibilidade de se defender das acusações feitas contra ele, a menos que não seja possível pedir ao empregador que lhe conceda essa possibilidade”.

O artigo 8º, por sua vez, determina que “o trabalhador que considerar injustificado o término de sua relação de trabalho terá o direito de recorrer contra o mesmo perante um organismo neutro, como, por exemplo, um tribunal, um tribunal do trabalho, uma junta de arbitragem ou um árbitro”.

O artigo 10º estabelece que, “se os organismos mencionados no artigo 8º da presente Convenção chegarem à conclusão de que o término da relação de trabalho é injustificado e se, em virtude da legislação e prática nacionais, esses organismos não estiverem habilitados ou não considerarem possível, devido às circunstâncias, anular o término e, eventualmente, ordenar ou propor a readmissão do trabalhador, terão a faculdade de ordenar o pagamento de uma indenização adequada ou outra reparação que for considerada apropriada”.

O artigo 13º determina que, “quando o empregador previr término da relação de trabalho por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos”, ele deve proporcionar “aos representantes dos trabalhadores interessados, em tempo oportuno, a informação pertinente, incluindo os motivos dos términos previstos, o número e categorias dos trabalhadores que poderiam ser afetados pelos mesmos e o período durante o qual seriam efetuados esses términos”. Além disso, o empregador “oferecerá aos representantes dos trabalhadores interessados, o mais breve que for possível, uma oportunidade para realizarem consultas sobre as medidas que deverão ser adotadas para evitar ou limitar os términos e as medidas para atenuar as consequências adversas de todos os términos para os trabalhadores afetados, por exemplo, achando novos empregos para os mesmos”.

O que o STF está, então, julgando?

Após apreciação e aprovação do Congresso Nacional, o governo brasileiro ratificou a Convenção 158 e expediu decreto para sua promulgação em 11 de abril de 1996, data em que a Convenção entrou em vigor no ordenamento jurídico brasileiro.

Contudo, pouco tempo depois da publicação, o governo resolveu denunciá-la e o fez por meio do Decreto n. 2.100, de 20 de dezembro de 1996. Com isso, a Convenção deixou de vigorar em nosso território.

Em 1997, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura levou o caso ao STF por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.625 pleiteando que o órgão declarasse inconstitucional o Decreto n. 2.100/1996 do Presidente da República, que denunciou a Convenção 158 à OIT em Genebra.

De outro lado, a Confederação Nacional do Comércio e outras Confederações ingressaram com Ação Direta de Constitucionalidade n. 39 defendendo exatamente o contrário, ou seja, a validade do Decreto n. 2.100/1996, uma vez que ele não é inconstitucional e que seria prerrogativa do chefe do Poder Executivo, por representar a União na ordem internacional e por meio de ato isolado e sem a anuência do Congresso Nacional, denunciar tratados, convenções e atos internacionais.

Como se vê, há duas ações em trâmite no STF versando sobre o mesmo tema. É certo que o STF está analisando a validade do decreto que denunciou a Convenção 158, mas não só isso: ao julgar a questão principal, decidirá também sobre o acessório, que são os efeitos que a Convenção 158 irradiará sobre todo o ordenamento jurídico. Portanto, não se trata somente de julgamento do decreto presidencial que denunciou a Convenção 158.

E quais são as teses até agora consideradas pelo STF neste julgamento?

São três as suas análises sobre os efeitos da Convenção 158: uma entende que a ADI da CONTAG é parcialmente procedente porque o Congresso Nacional é quem teria autoridade e legitimidade para ratificar tratados internacionais e, portanto, a própria Convenção 158; a segunda entende que a ação é improcedente porque o Presidente da República teria autonomia para denunciar unilateralmente a Convenção 158, e a terceira entende que a ADI é procedente, uma vez que, da mesma forma que um acordo internacional para vigorar no Brasil precisa ser assinado pelo Presidente da República e submetido à ratificação do Congresso Nacional, sua denúncia deveria passar pelo mesmo processo.

Quatro ministros votaram pela procedência da ação da CONTAG.

Do jeito que está o placar, até este momento a maioria dos ministros do STF entende que o presidente da República não poderia, sozinho, denunciar acordo internacional já ratificado. Mas é certo que não há definição do placar ainda.

Em se consolidando esta tendência de inconstitucionalidade do decreto que denunciou a Convenção 158, passa-se para o segundo aspecto da questão: no meio jurídico é consenso que, após o posicionamento do STF, haveria necessidade de lei regulamentando a matéria da Convenção 158, uma vez que a própria Convenção prevê que sua aplicação se dará mediante legislação nacional, por meio de lei complementar.

Considerando esta hipótese de validade da Convenção 158, em que haverá a modulação de seus efeitos pelo STF e a necessidade de lei para sua regulamentação, voltamos para o texto da Convenção 158, que, como se viu, estabelece um novo procedimento para a demissão sem justa causa. Ela não a proíbe, mas certamente a dificultaria sobremaneira. Algumas indagações decorrentes seriam:

Como as empresas reagiriam ao ter que, por exemplo, justificar a demissão, desde que comprovassem que estão em dificuldade econômica? Como seria o efeito suspensivo de demissão que, se contestada na Justiça do Trabalho, obrigaria o empregador a manter este trabalhador empregado até que houvesse o trânsito em julgado da ação trabalhista? Como se comportaria o Judiciário Trabalhista analisando cada caso de demissão? Como seria o comportamento do Ministério Público do Trabalho, que, não raro, faz a interpretação das leis sob a óptica dos princípios, ou seja, mesmo que uma Convenção não seja ratificada pelo Brasil, ainda assim deveria ser considerada nos Termos de Ajustamento de Conduta? É o caso, por exemplo, da Convenção 190 da OIT, que trata da violência contra a mulher no mercado de trabalho e sequer foi ratificada pelo Brasil. Quais seriam, por fim, os efeitos da Convenção 158 sobre a economia e o emprego?

A Convenção 158 é uma inequívoca ameaça à livre iniciativa, já que interfere no poder diretivo da empresa. É inegável que este tipo de intervenção inibe a intenção de investir e empregar. A rigor, não haveria sequer razão para ratificar a Convenção 158, dado que, o sistema de demissão sem justa causa no Brasil já impõe restrições à mesma – demissão, como, por exemplo, a multa de 40% sobre o FGTS. A ratificação da Convenção 158 traria, sem dúvida, forte insegurança jurídica, potencializando disputas judiciais trabalhistas, trazendo novos e indesejados custos para o empregador, incerteza, que,na economia real, redundariana redução da propensão a empregar. A Convenção 158, se consumada, certamente se traduzirá em uma forte restrição ao exercício da livre iniciativa, pois limitará os empresários na sua capacidade de decidir de que forma farão a gestão do seu negócio, o que seria inadmissível. Se aquele que empreende não tem efetiva liberdade para definir como fará o movimento de sua força de trabalho, contratando,demitindo ou simplesmente reorganizando seu quadro de trabalhadores diante das mudanças tecnológicas e/ou econômicas, por exemplo, como reagiria às amarras impostas pela Convenção 158?

Em um país que não é reconhecido pelo bom ambiente de negócios (o Brasil está na 124ª posição da última edição do relatório Doing Business do Banco Mundial), a convalidação da Convenção 158 provocaria uma descida nesta classificação.

A existência do Estado é inquestionável para regular inclusive as relações de trabalho, mas isto deve ter um limite. Não se propõe aqui a defesa do radicalismo liberal, situação em que o Estado assume condição minimalista sob seu aspecto econômico e de promotor, ao fim, da paz e da justiça social. Porém, poder-se-ia pensar de que forma o Estado, por meio do Poder Legislativo, pode intervir nas relações de trabalho, como está no texto da Convenção 158, que, com a devida vênia, mais se parece com uma cartilha de gestão empresarial.

Não restam dúvidas de que o Estado tem um papel regulador e de promoção de bem-estar social.

Estamos décadas atrasados na discussão sobre prioridades e sobre o tamanho de Estado. Há muito no Brasil esse tamanho parece ter passado do adequado e está caminhando, principalmente no campo do trabalho, para um “superestado”, que significa um Estado altamente intervencionista. Caso ingresse no Ordenamento Jurídico Trabalhista brasileiro, a Convenção 158 nos colocará mais alguns degraus abaixo das economias mais bem-sucedidas e que geram emprego, renda e bem-estar social, ao contrário do que pretende a própria Convenção.

Mais uma vez, convidamos todos a ler seus artigos (acima citados) para compreender o que de fato esta Convenção propõe.

Ela é, no mínimo, paradoxal. Como dito, com a porta de saída fechada – restrição à demissão – não restará alternativa senão fechar a porta de entrada – novos empregos.

A criação de postos de trabalho depende do desejo do empreendedor de contratar, das expectativas de cada setor da economia, da qualificação profissional, do ambiente de negócio positivo, em que se incluem as regras que estimulem a empregabilidade, o que certamente não é o caso da Convenção 158.

Por tudo o que foi exposto, há muitos motivos para nos preocuparmos com o resultado final deste julgamento do STF. Reiterando, ele não está julgando somente a validade ou não do decreto que denunciou a Convenção 158 da OIT: seu julgamento vai muito além disso. É isto o que os empresários devem observar.

A tecnicidade do julgamento do STF nos afastou daquilo que é o mais importante: o que pretende a Convenção 158 e seus previsíveis efeitos negativos sobre o emprego e sobre as empresas.

* Eduardo Pastore é advogado

** Fábio Pina é economista

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