Salário mínimo nacional e pisos salariais estaduais

Valores de pisos estaduais estão sendo comparados com o salário mínimo nacional, mas são coisas diferentes

Por Roberto Macedo*

Três valores se destacaram no noticiário dos últimos dias: R$ 1.320,00, R$ 1.550,00 e R$ 1.999,02. O primeiro é o novo valor do salário mínimo nacional; o segundo deve ser o novo valor do piso salarial do Estado de São Paulo, conforme proposta do governador Tarcísio de Freitas à Assembleia Legislativa estadual; e o terceiro é o maior valor dos quatro pisos salariais do Estado do Paraná – o menor valor é de R$ 1.731,02 –, conforme propostos pelo governador Ratinho Júnior ao Legislativo estadual.

Segundo o site Guia Trabalhista, os “pisos salariais estaduais estão previstos no artigo 7.º, inciso V, da Constituição federal e na Lei Complementar 103/2000. A Constituição estabelece em seu art. 22, parágrafo único, que o Estado poderá legislar sobre condições de trabalho e pisos salariais, uma vez que esta normatização não (…) contempla o âmbito nacional”.

O mesmo site esclarece a diferença entre salário mínimo e piso salarial: “(…) enquanto o primeiro é de competência exclusiva da União (âmbito nacional) e baseia-se na condição mínima de sobrevivência do cidadão, independentemente de qualificação profissional, o segundo pode ser estabelecido pelos Estados e deve levar em conta as profissões específicas que se pretende beneficiar, considerando ainda as respectivas qualidade e complexidade do trabalho, bem como o custo de vida do respectivo Estado”.

Mas o que vem acontecendo é que os pisos salariais frequentemente são chamados de salários mínimos estaduais, o que, como no caso do mínimo nacional, acaba dando também uma dimensão política a esses pisos. Por exemplo, a Folhapress do dia 2 deste mês afirmou que, com “(…) ambições presidenciais, o governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), entrou na disputa pelo posto de maior defensor do salário mínimo no Brasil. Nas redes sociais, postou que o Estado tem o maior salário mínimo regional do País. A publicação ocorreu poucas horas depois do anúncio feito pelo governador de São Paulo de que o piso local subirá para R$ 1.550,00″. Contudo, relativamente aos valores dos pisos no ano passado, o reajuste do paulista foi maior: de 20,7% sobre a menor faixa do piso atual (R$ 1.284,00) e de 18,7% sobre a maior faixa (R$ 1.306,00); enquanto o dos pisos paranaenses foi de 7% nas suas quatro faixas. E seu governador não se pode vangloriar de ter a faixa de maior valor, pois vi pela internet que no Estado do Rio de Janeiro as faixas dos pisos variavam de R$ 1.238,11 a R$ 3.158,96 em 2022 e ainda não foram reajustadas. O governador paulista passou também a considerar um piso único, o que de novo reforça a conotação deste como salário mínimo.

Pareceu-me ainda que, com esse alto reajuste e com essa unificação, o governador de São Paulo adotou também uma posição política, reforçando a percepção de que poderá ser candidato a presidente em 2026.

Mas por que os reajustes anteriores não tiveram dimensão maior? Sabia de uma razão da qual tomei conhecimento ao ter um papel na adoção dos pisos paulistas, quando José Serra tornou-se governador, em 2007 – tendo trabalhado na sua campanha, eu lhe sugeri tal adoção. Ele aceitou, mas o valor dos pisos foi limitado pela constatação de que eles aumentavam os custos de serviços terceirizados como os de limpeza, em que a incidência do menor piso era maior, causando assim problemas para o orçamento estadual. Ignoro como o governador Tarcísio de Freitas contornou esse problema.

A respeito do impacto do salário mínimo e dos pisos sobre as remunerações, vale lembrar que, no primeiro caso, seu valor determina o piso da maior parte dos aposentados e pensionistas do INSS, o que vem levando o governo federal a ser mais comedido em seus reajustes, como ocorreu com o mais recente.

Entendo que o salário mínimo nacional deve ser mantido e que os pisos deveriam ser únicos por Estado, trocado o seu nome por salário mínimo estadual, e serem iguais ou maiores que o valor do nacional sem ser fixado por categorias profissionais. São amplas as diferenças dos mercados de trabalho estaduais na sua capacidade de pagar um salário mínimo maior ou menor e também varia o custo de vida entre Estados. O fato de que até agora os pisos existem apenas no Paraná, no Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul, em São Paulo e em Santa Catarina indica que os pisos estaduais maiores que o mínimo nacional estão em áreas cuja média salarial supera a nacional e com maior capacidade de pagamento.

Também vale lembrar que o custo do salário mínimo e dos pisos para empregadores é acrescido pelos encargos sobre a folha de pagamentos. Vi uma guia de recolhimento desses encargos que chegava a 20% do salário do empregado. Ou seja, o custo para o empregador que pagasse o piso paulista de R$ 1.550,00 alcançaria R$ 1.860,00. Um valor como este pode provocar maior informalização do mercado de trabalho, que já está perto de 40% e inclui trabalhadores por conta própria e sem carteira profissional assinada. A conferir.

* Roberto Macedo é é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 4 de maio de 2023.