Brasil: o Estado do bem e do mal-estar social

Por Roberto Macedo*

O conceito de Estado do bem-estar social teve origem no final do século 19 e é creditado ao estadista alemão Otto von Bismarck. Embora alguns programas assistenciais já existissem há tempos, ele foi o primeiro a introduzir programas compulsórios de assistência e previdência social em escala nacional na Alemanha. Mais detalhes em https://capitalresearch.com.br/blog/welfare-state/.

Na primeira metade do século 20, o Brasil passou a seguir a mesma linha, com destaque para a criação da Previdência Social. A chamada Lei Eloy Chaves, de 1923, é tida como o marco inicial da história dessa previdência. Mais recentemente, cresceram muito os chamados benefícios sociais, em particular o Bolsa Família. Neste artigo, argumentarei que a expansão a meu ver desequilibrada de programas como esses prejudicaram os investimentos públicos como em infraestrutura e, assim, o crescimento econômico do País, gerando mal-estar na forma de maior desemprego, subemprego e salários baixos, entre outros aspectos.

Em vários artigos, venho insistindo em que o crescimento econômico brasileiro caiu muito a partir da década de 1980. Em números, o crescimento anual médio do Produto Interno Bruto (PIB) se acelerou nas quatro décadas anteriores e foi de 6,8%. A partir da década de 1980, ele caiu fortemente e a taxa média anual até 2019 foi de apenas 2,4% (!).

No seu artigo do dia 11 de fevereiro passado neste jornal, o jornalista Rolf Kuntz disse: “Pesadão e emperrado, o Brasil continuará correndo no segundo ou terceiro pelotão da economia mundial”. Infelizmente, as lideranças políticas e institucionais do País não dão a devida atenção a esse desastre, que gera mal-estar social.

Neste olhar sobre o crescimento cabe atenção especial ao investimento, porque é a formação bruta de capital fixo em áreas como infraestrutura, fábricas, fazendas e outras que cria capacidade produtiva adicional e gera emprego e renda. Concentrarei atenção especial no investimento público. Um gráfico do Observatório de Política Fiscal do Ibre-FGV, relativo ao período 1947-2022, mostra que ele cresceu até perto de 1975, quando atingiu cerca de 10% do PIB, e depois foi sendo reduzido até cair para apenas cerca de 2,25% (!) do PIB no quinquênio que alcança 2022.

Apresentarei dados que, primeiramente, vi num artigo do economista Raul Velloso no jornal Estado de Minas de 31/10/2023. Ele examinou dados do investimento público e da Previdência Social entre 1987 e 2021 que me pareceram interessantes, pois cobrem o início e o estado atual deste período de estagnação pós-1980, assim chamado porque o PIB vem crescendo abaixo de seu potencial. Acredito que o leitor concordará que, com uma boa arrumada na economia, o nosso PIB poderia crescer bem mais.

Velloso aponta que, “comparando a estrutura do gasto federal em 1987 (o último antes da atual Carta Magna) com o último ano sobre o qual consegui levar as informações relevantes (2021), vê-se que o chamado gasto obrigatório (todos exceto investimentos mais demais gastos correntes discricionários) havia subido de 66,3% para 96,8% do total. Já os 3,2% restantes de 2021 se referiam a investimento (2,3%) e demais gastos correntes (0,9%). Em 1987, esses dois itens tinham sido de 16% e 17,7% respectivamente”. Em particular, é evidente a enorme queda da participação do investimento nos gastos.

No seu artigo, Velloso se dispôs a oferecer ao leitor interessado mais dados sobre o tema que abordou. Aceitei a oferta e, ao recebê-los, vi que foi uma ótima opção, o que lhe agradeço. Ele inicialmente ressalta que o principal fator que asfixiou os gastos federais em investimentos foi o aumento da participação da Previdência nos gastos federais. Ela passou de 19,2%, em 1987, para 51,8% (!), em 2021. A assistência social também cresceu bastante: de 9,1%, em 1987, para 16,4%, em 2021. Saúde e educação também aumentaram sua participação: a primeira, de 8% para 10,1%; e a segunda, de 2,6% para 6,5%. E volto a repetir, os investimentos caíram de 16% para apenas 2,3% no período.

Considerando todas as esferas de governo (União, Estados, municípios e o Regime Geral da Previdência Social, administrado pela União), houve forte crescimento dos gastos previdenciários de 2005 a 2021, e foi mais acentuado no caso municipal.

Velloso também mostra uma forte correlação da taxa de investimentos público em infraestrutura e a do crescimento do PIB, ambas em queda no período 1980-2022. E conclui com um gráfico, relativo ao mesmo período, que mostra novamente a forte queda dos investimentos públicos em infraestrutura e uma estagnação dos investimentos privados na mesma área.

Fica claro, portanto, que a expansão do Estado do bem-estar levou também a um mal-estar na esteira da contenção dos investimentos públicos. Não sou contra uma expansão do bem-estar, mas moderada de forma a conter esse desequilíbrio indesejável. Também ajudaria muito se o governo reexaminasse os gastos obrigatórios, abrindo espaço para mais investimentos.

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 15 de fevereiro de 2024.s