Dívida bruta e ativo do setor público: são imprescindíveis para se avaliar o equilíbrio fiscal?

O texto analisa o tamanho e a evolução da divida bruta e do ativo do setor público, bem como de seus principais componentes no período de dezembro de 2006 a julho de 2011. Tal abordagem traz importantes informações não evidenciadas quando se analisa apenas a dívida líquida, como é usual. Nesse período, enquanto a dívida líquida (dívida bruta deduzida do ativo) caiu, a dívida bruta subiu. Houve forte distanciamento entre esses agregados por conta da expansão do ativo, decorrente, do aumento das reservas internacionais e dos créditos junto ao BNDES.

Ademais, o perfil do ativo é bastante distinto do perfil da dívida bruta, notadamente no que tange à taxa de juros que incide sobre cada um. Também aumentou o peso das operações do Banco Central do Brasil na composição da dívida bruta, assim como a parcela dessa dívida indexada à taxa Selic. Todos esses acontecimentos configuram obstáculos à trajetória desejável de equilíbrio das contas públicas.

I – ASPECTOS ESTATÍSTICOS

A única fonte que apresenta dados conjuntos sobre a dívida bruta e o ativo do setor público é o Banco Central do Brasil (Bacen)[1]. A Autarquia divulga também dados relativos à dívida líquida, mas a abrangência não é a mesma do conceito de dívida bruta. No cômputo da dívida bruta e do ativo, congrega-se apenas o chamado Governo Geral, o qual inclui o governo federal, os governos estaduais e os governos municipais. Portanto, nesse conceito, não são consideradas as estatais e o Bacen.

Quanto às estatais, as implicações não são relevantes, pois a Petrobrás e a Eletrobrás foram excluídas das contas públicas. Já quanto ao Bacen, a exclusão no cômputo da dívida bruta e do ativo traz conseqüências importantes em vista do tamanho das suas contas e de suas relações com o Tesouro Nacional[2].

Diante desses fatos, opta-se aqui por considerar o Bacen no cômputo da dívida bruta e do ativo do Governo Geral. Isso é feito adicionando-se os saldos das contas do Bacen apresentados regularmente nas estatísticas da dívida líquida. Exclui-se desse procedimento as contas que retratam haveres ou passivos entre o Bacen e os governos estadual, municipal e, principalmente, federal.

Outra questão diz respeito à inclusão ou não da base monetária no cômputo da dívida bruta. A base monetária consta do passivo do Bacen e corresponde ao papel-moeda emitido e as reservas bancárias livres e compulsórias. Esse agregado monetário comporta-se de forma relativamente estável, próxima de 5% do PIB. Portanto, a questão não é relevante para a análise da evolução da dívida, mas sim para a aferição do tamanho do passivo. A opção aqui seguida será a de excluir a base monetária do cômputo da dívida, pois não há incidência de juros, nem sujeição a prazos de vencimento, como ocorre em relação aos passivos convencionais. Também não há evidências de que a base esteja sendo deliberadamente utilizada como canal de financiamento do governo[3].

II – TAMANHO E EVOLUÇÃO DA DÍVIDA BRUTA E DO ATIVO

A Tabela I apresenta os números da dívida bruta (linha A), do ativo (linha B) e da dívida líquida do Governo Geral e Bacen (linha C), calculados conforme descrito acima, sempre em relação ao PIB. Consta também a tradicional estatística da dívida líquida do setor público (Linha D), tal qual divulgada regularmente pelo Bacen. Ela resulta simplesmente de duas adições à dívida líquida do Governo Geral e Bacen: a dívida líquida das empresas estatais (linha E) e a base monetária (linha F) que não estão sendo aqui consideradas no cômputo da dívida.

Constata-se que, entre dezembro de 2006 e julho de 2011, a divida liquida caiu, fato amplamente divulgado pelos que querem enfatizar o controle das contas públicas. A divida líquida no conceito usual caiu 7,8% do PIB (linha D); enquanto no conceito aqui empregado, de dívida líquida do Governo Geral e Bacen, a queda foi menos pronunciada, 7,1% (linha C).

TABELA I – DÍVIDA BRUTA, DÍVIDA LÍQUIDA E ATIVO DO GOVERNO GERAL 1 E  BACEN
(% do PIB)
Período2200620072008200920102011variação
DÍVIDA BRUTA (A)60,061,859,863,863,265,05,0
ATIVO (B)18,722,627,027,029,330,812,1
DÍVIDA LÍQUIDA (C = A – B)41,339,232,836,833,934,2-7,1
Dívida liquida do setor
público não financeiro (D=C+E+F)47,345,538,542,840,239,5-7,8
Dívida líquida das
empresas estatais(E)0,90,80,80,70,70,6-0,2
Base monetária (F)5,15,54,95,25,64,6-0,5
Fonte: Elaborada pelo autor com os dados primários do Bacen.
1 Governo Geral abrange governo federal, governos estaduais e governos municipais.
2 Dados de final de período. 2011 refere-se a julho.
3 Exclui Petrobrás e Eletrobrás.

Cabe indagar como um governo com elevado déficit conseguiu reduzir a sua dívida líquida. Há dois fatores que contribuíram para essa queda. Trata-se do superávit primário e do crescimento econômico. O primeiro atua impedindo que o déficit público e a dívida líquida em termos monetários fujam do controle. Já o segundo é capaz de reduzir a dívida líquida aferida em relação ao PIB. Vale lembrar que o crescimento econômico do Brasil nos últimos anos ficou acima da média histórica. Assim, o controle da dívida pública depende fortemente da geração de superávits primários e do crescimento econômico.

Enquanto a divida líquida do Governo Geral e Bacen caiu de 41,3% do PIB para 34,2% do PIB entre dezembro de 2006 e julho de 2011(linha C), a dívida bruta subiu de 60% do PIB para 65% do PIB, diferença de 5 pontos (linha A). Vê-se, portanto, que a dívida bruta está subindo e não caindo, como a dívida líquida. A diferença entre a dívida bruta e a dívida líquida subiu de 18,7% do PIB para 30,8% do PIB nesse período. Esses dois números correspondem ao tamanho do ativo do Governo Geral e Bacen nos dois momentos, aumento de 12,1 pontos percentuais do PIB (linha B).

Usualmente, o superávit primário serve para conter a expansão da dívida pública, ao prover os recursos para pagar os juros devidos e/ou resgatar o principal. Em um contexto de forte expansão do ativo, como o caso brasileiro dos últimos anos, o superávit primário serviu, na verdade, para financiar essa expansão. Como esse financiamento não foi suficiente para financiar toda a expansão do ativo, recorreu-se ainda ao aumento da dívida bruta.

III – COMPONENTES DO ATIVO

O distanciamento entre a dívida bruta e a dívida liquida pode ser um problema se o perfil do ativo for muito diferente do perfil da dívida bruta. No caso brasileiro, o que chama a atenção é a grande diferença entre a taxa de juros que incide sobre a dívida bruta e a rentabilidade dos componentes do ativo que mais subiram nos últimos anos. Isso eleva, em sequência, os juros líquidos devidos, o déficit público, a dívida bruta e a dívida líquida.

TABELA II – COMPOSIÇÃO DO ATIVO DO GOVERNO GERAL 1 E  BACEN
(% DO PIB)
Período2200620072008200920102011variação
ATIVO TOTAL (A+B+C)18,722,627,027,029,330,812,1
CRÉDITOS DA UNIÃO (A)0,50,51,44,57,07,46,9
Instrumentos de capital e dívida0,10,30,30,50,50,50,4
Créditos junto ao BNDES0,40,21,24,16,46,96,5
RESERVAS INTERNACIONAIS2 (B)7,712,015,912,812,913,55,8
OUTROS ATIVOS (C )10,410,09,69,79,59,9-0,5
Disponibilidades do governo geral0,91,11,21,21,32,11,2
Aplicações em fundos e programas2,12,12,02,32,62,50,4
Recursos do FAT na rede bancária5,24,84,54,44,03,8-1,3
Créditos do Bacen às instituições. financeiras0,80,90,90,90,80,80,0
Outros contas1,41,11,00,80,80,7-0,7
Fonte: Elaborada pelo autor com os dados primários do Bacen.
1 Governo Geral abrange governo federal, governos estaduais e governos municipais.
2 Deduz dívida externa do Bacen.

A Tabela II, acima, mostra a composição do ativo do Governo Geral e do Bacen. Observa-se que entre dezembro de 2006 e julho de 2011 houve acréscimo de 6,9 pontos percentuais de PIB dos créditos concedidos pela União às instituições financeiras oficiais, notadamente o BNDES (linha A). Esses créditos estão agora em 7,4% do PIB. No mesmo período, as reservas internacionais subiram 5,8 pontos percentuais do PIB, alcançando 13,5% do PIB (linha B). Assim, esses dois componentes explicam integralmente o aumento do ativo do Governo Geral e Bacen no período. Seguem-se comentários sobre cada um deles.

III.1 Créditos concedidos pela União ao BNDES

A intensificação das operações da União com o BNDES teve início em março de 2009 e, em junho de 2011, o saldo de todos os repasses somava R$ 215 bilhões[4]. O procedimento é o seguinte: o Tesouro Nacional emite títulos públicos que são repassados ao BNDES, em troca de crédito equivalente para o Tesouro junto ao Banco. Em seguida, o BNDES vende os títulos no mercado para levantar recursos que serão utilizados no financiamento às empresas.

Os R$ 100 bilhões de créditos inicialmente concedidos pelo Tesouro ao BNDES têm prazo médio de 17,5 anos e rendimento médio correspondente a TJLP mais 0,63% ao ano. Já os títulos públicos emitidos em contrapartida duram cerca de 4,2 anos e são corrigidos parte pela taxa Selic e parte por taxas prefixadas[5].

A diferença entre as taxas corresponde ao subsidio dado ao BNDES e às empresas que tomam créditos a juros baixos junto ao Banco. Estimativas mostram que a perda fiscal estimada do Tesouro ao repassar a carteira de títulos ao BNDES, financiando-se em mercado, é de 29% do valor de face do crédito total (100 bilhões), a ser apropriado ao longo de 30 anos, ou cerca de R$ 0,97 bilhão ao ano, em valor presente (Pereira & Simões, 2010, p. 17). Logo, se o total de R$ 215 bilhões de créditos já concedidos pelo Tesouro ao BNDES tiver obedecido às mesmas condições dos R$ 100 bilhões iniciais, o valor presente da perda do Tesouro com as operações pode chegar a R$ 62,3 bilhões, correspondentes a 29% dos R$ 215 bilhões.

III.2 Reservas internacionais

As reservas internacionais subiram de US$ 85,8 bilhões em dezembro de 2006 para cerca de US$ 346,1 bilhões em julho de 2011[6]. A expressiva aquisição de divisas do Bacen se deveu à tentativa de conter a valorização do real, diante da abundante entrada de capital no país e do forte aumento das exportações propiciado pela majoração dos preços das commodities.

A estratégia de contenção da valorização do real levou também ao resgate simultâneo de boa parte da dívida pública externa. De fato, se o governo se vê obrigado a comprar enormes quantidades de dólares no mercado de câmbio, o resgate da dívida externa pública faz mais sentido que o acúmulo de reservas internacionais, pois o custo do passivo externo supera a rentabilidade do ativo externo. Deduzindo-se das reservas internacionais o saldo da dívida externa, constata-se que o ativo externo liquido do Governo Geral e Bacen subiu de 1,3 % do PIB em dezembro de 2006 para 11,1 % do PIB em julho de 2011, portanto, aumento de 9,8 pontos percentuais do PIB.

Tradicionalmente, as reservas externas rendem muito pouco em relação ao rendimento dos ativos financeiros no Brasil. O último Relatório de Gestão das Reservas Internacionais do Bacen informa que a remuneração das reservas em dólar foi de apenas 1,82%, em 2010. Foi superior ao 0,83% de 2009, mas muito aquém da média de 5,2% do período 2002 a 2010[7].

Na verdade, em função do baixo rendimento em dólar das reservas, a variável fundamental para aferir o retorno das reservas é a própria variação cambial. As notas explicativas relativas às demonstrações financeiras do Bacen[8] informam a rentabilidade em real das reservas internacionais por trimestre, bem como o custo médio do passivo da Autarquia, o que permite o cálculo do custo de manutenção dessas reservas. Entre 2008 e 2009 o custo oscilou bastante em função da instabilidade da taxa de câmbio. Tomando-se 2007 até junho de 2011, o custo somado da manutenção das reservas foi de R$ 165,1 bilhões, já que nesse período prevaleceu a valorização do real.

IV – COMPONENTES DA DÍVIDA BRUTA

Depois de analisar os agregados dívida bruta e ativo, bem como os componentes do ativo, cabe focar os componentes da dívida bruta do Governo Geral e Bacen, os quais constam da Tabela III.

TABELA III – COMPOSIÇÃO DA DÍVIDA BRUTA DO GOVERNO GERAL 1 E  BACEN
(% do PIB)
Período2200620072008200920102011variação
DÍVIDA BRUTA TOTAL (A=B+E)60,061,859,863,863,265,05,0
DÍVIDA INTERNA (B=C+D)53,657,455,060,360,262,69,0
Governo geral (C)46,846,541,944,243,942,4-4,3
Dívida mobiliária federal em mercado45,345,340,843,042,741,3-4,0
Outras contas1,51,31,11,21,21,1-0,3
Bacen (D)6,810,813,116,216,320,113,3
Operações de mercado aberto23,37,010,714,37,911,48,1
Recolhimentos compulsórios33,53,81,82,08,68,95,4
Outras contas0,0-0,10,6-0,1-0,1-0,1-0,2
DÍVIDA EXTERNA4 (E)6,44,44,83,53,02,4-4,0
Fonte: Elaborada pelo autor com os dados primários do Bacen.
1 Governo Geral abrange governo federal, governos estaduais e governos municipais.
2 São denominadas operações compromissadas nas contas do Bacen.
3. São denominados outros depósitos nas contas do Bacen4 A dívida externa do Bacen  está deduzida das reservas externas..

Entre dezembro de 2006 e julho de 2011, a dívida externa do Governo Geral (linha E) caiu 4 pontos percentuais de PIB, enquanto a dívida interna (linha B) subiu 9 pontos de PIB. Ademais, houve importante modificação na composição da dívida interna, já que seu aumento de 9 pontos do PIB se deveu ao incremento de 13,3 pontos do PIB no saldo das operações realizadas pelo Bacen (linha D), enquanto a dívida interna do Governo Geral caiu 4,3 pontos do PIB (linha C). As operações do Bacen, que correspondiam a 12,7% da dívida interna ao final de 2006, aumentaram seu peso para 32,1% em julho de 2011.

A redução da dívida externa se deu no âmbito da tentativa de controlar a valorização do real, conforme comentado anteriormente. Seu saldo estava em apenas 2,4% do PIB em julho de 2011 (linha E), algo impensável na década de oitenta, quando vivíamos a chamada crise da dívida externa.

Não é estranha também a elevada participação da dívida mobiliária federal em poder do mercado no total do passivo público, pois o mesmo deve ocorrer em países que possuem mercado de títulos públicos desenvolvido. Em julho de 2011, a dívida mobiliária estava em 41,3% do PIB. Esse percentual não inclui a totalidade dos títulos em poder do mercado, pois há ainda as operações de mercado aberto do Bacen que são analisadas em seguida.

O que chama a atenção na Tabela III é a evolução e o tamanho do saldo das operações do Bacen, saldo esse que chegou a 20,1% do PIB em julho de 2011 (linha D). Os principais responsáveis por esse fato foram as operações de mercado aberto e os recolhimentos compulsórios. O saldo da primeira subiu 8,1 pontos percentuais do PIB entre dezembro de 2006 e julho de 2011, chegando a 11,4% do PIB nesse último mês. Já os recolhimentos compulsórios subiram 5,4 pontos do PIB no mesmo período, o que resultou no saldo de 8,9% do PIB em julho do corrente ano.

As operações de mercado aberto correspondem à venda ao mercado dos títulos públicos que estão na carteira do Bacen, com o compromisso de recomprá-los em data futura. Por isso, tais operações aparecem nas contas do Bacen como operações compromissadas. Muitos países utilizam essas operações como instrumento de controle da liquidez da economia. A peculiaridade do Brasil é o seu elevado saldo, um múltiplo da base monetária, contribuindo com o financiamento do governo, em complemento às operações com títulos públicos realizadas diretamente pelo Tesouro Nacional.

Existem duas diferenças importantes entre as operações de mercado aberto do Bacen e a dívida mobiliária federal em mercado: o vencimento e o custo. Em julho de 2011, 58,7% das operações de mercado aberto venceriam em um prazo de até três meses (em meados de 2009, esse percentual aproximou-se de 90%). Os 58,7% correspondiam a R$ 244,5 bilhões, equivalentes a 6,2% do PIB. Já o prazo médio dos títulos colocados no mercado diretamente pelo Tesouro Nacional em oferta pública era de 43,8 meses, em julho de 2011. Apenas 2% desses papéis seriam resgatados em três meses, cerca de R$ 33,5 bilhões[9].

Quanto ao custo, as operações de mercado aberto são corrigidas pela taxa Selic[10], enquanto a dívida mobiliária federal compõe-se de um mix equilibrado de taxa Selic, taxa prefixada e índice de preços, notadamente IPCA, mais juro real. Até o início de 2010, pode-se afirmar que as operações de mercado aberto custavam menos que a dívida mobiliária federal em poder do mercado, porque as taxas prefixadas e o IPCA acrescido de juro real estavam acima da taxa Selic[11]. Entretanto, em março de 2010, iniciou-se um ciclo de aumentos dessa taxa, por conta do recrudescimento da inflação. Ela subiu de 8% ao ano para os atuais 12% ao ano, aumento esse que incidiu sobre o elevado e crescente passivo do Governo Geral e Bacen atrelado a essa taxa.

O outro item que subiu bastante entre as operações do Bacen foram os recolhimentos compulsórios. Esses não são os tradicionais depósitos compulsórios que integram a base monetária. São recolhimentos compulsórios adicionais das instituições financeiras junto ao Bacen, em espécie, de parcela dos depósitos bancários e de poupança. Na prática, esses recolhimentos cumprem o mesmo papel das operações de mercado aberto, pois ajudam a controlar a expansão da liquidez da economia. São também em grande parte corrigidos pela taxa Selic[12]. A diferença é o caráter voluntário das operações de mercado aberto, o que não ocorre com os recolhimentos. Houve forte aumento desses recolhimentos ao longo de 2010, como parte das chamadas medidas macro prudenciais de combate à inflação, substituindo em parte as operações compromissadas[13].

Um registro final importante sobre a composição da dívida bruta diz respeito aos indexadores dessa dívida. Conforme já visto, em março de 2010, iniciou-se a correção da taxa Selic que a levou de 8% para os atuais 12% ao ano. Ocorre que isso se deu em um contexto de forte aumento da parcela da dívida pública sobre a qual incide a taxa Selic, por conta do crescente peso das operações de mercado aberto e dos recolhimentos compulsórios, além de parte dos títulos emitidos no bojo dos créditos concedidos pela União ao BNDES[14]. A parcela selicada da dívida líquida do setor público subiu de 42,3% ao final de 2006 para 73,7% em julho de 2011. Percebe-se também o aumento do peso da TJLP e do câmbio, só que pelo lado do ativo, decorrente dos créditos junto ao BNDES, no caso da TJLP, e das reservas internacionais, no caso do câmbio.

V – CONCLUSÕES

Nos últimos anos, ocorreram importantes alterações na estrutura patrimonial do governo geral e Bacen. Houve forte aumento do ativo na forma de créditos junto ao BNDES e de reservas internacionais. A discrepância entre a rentabilidade desse ativo e o custo para financiá-lo aumenta os juros líquidos devidos pelo setor público, assim como, na seqüência, o déficit e o endividamento.

Outro movimento patrimonial importante foi a alteração da composição da dívida pública, em vista do resgate de relevante parcela da dívida externa e do forte aumento da participação na dívida interna das operações do Bacen. Além de impróprios como mecanismo de financiamento, essas operações elevaram, juntamente com parte dos títulos concedidos ao BNDES, a participação da Selic dentre os indexadores da dívida pública. Assim, o recrudescimento da inflação em 2010 e o consequente aumento da taxa Selic para controlá-la, afetaram diretamente o custo de boa parte dessa dívida, gerando novo impulso ao aumento do passivo.

Pode-se concluir, portanto, que a redução da dívida líquida não conta toda história da evolução das contas públicas nos últimos anos. A redução da dívida líquida sugere que se está caminhando para um cenário de maior equilíbrio fiscal. Porém, essa impressão é afastada pela constatação que a dívida bruta está subindo; que o ativo do governo tem baixa rentabilidade; e que a indexação pela taxa Selic e as operações do Bacen aumentaram seu peso na composição da dívida bruta.

Para ler mais sobre o tema:

Pellegrini, J.A.(2011) Dívida bruta e ativo do setor público: o que a queda da dívida líquida não mostra? Texto para Discussão nº 95. Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado. Senado Federal. http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD95-JosueAlfredoPellegrini.pdf


[1] Os dados são divulgados juntamente com a publicação mensal Nota para a Imprensa – Política Fiscal (Http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOLFISC), Quadro 17.

[2] Reconhecendo tal problema, o Bacen divulga desde fevereiro de 2008, com dados retroativos a dezembro de 2006, duas séries de dívida bruta: a série mais antiga, que inclui sua carteira de títulos públicos e a nova série com o saldo das suas operações de mercado aberto. Ver nota técnica em anexo à Nota para a Imprensa – Política Fiscal relativa à fevereiro de 2008. http://www.bcb.gov.br/htms/infecon/notas.asp?idioma=p.

[3] Os números da dívida bruta apresentados no trabalho recomendado ao final do texto diferem dos números aqui apresentados apenas por conta da opção feita agora, pela exclusão da base monetária.

[4] O BNDES divulga trimestralmente relatório sobre a aplicação desses recursos. No relatório relativo ao segundo trimestre de 2011, p. 14, afirma-se que o repasse autorizado do Tesouro ao Banco é de R$ 240,25 bilhões, mas até aquele momento R$ 215,25 bilhões haviam sido captados. Ver http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/empresa/download/Relatorio_Recursos_Financeiros_2trimestre2011.pdf.

[5] Essas informações foram extraídas de PEREIRA, T. & SIMÕES, A. O papel do BNDES na alocação de recursos: avaliação do custo fiscal do empréstimo de R$ 100 bilhões concedido pela União em 2009. Revista do BNDES, v. 33, p. 5-54, jun. 2010.

[6] Os dados sobre as reservas estão em http://www.bcb.gov.br/?RESERVAS.

[7] Os relatórios podem ser encontrados em http://www.bcb.gov.br/?GESTAORESERVAS.

[8] Essas notas estão em http://www.bcb.gov.br/?id=BALANCETE&ano=.

[9] Dados sobre o vencimento das operações de mercado aberto e sobre o prazo e cronograma de resgate da dívida mobiliária federal constam, respectivamente, das tabelas XXXVI, XXXVIII-A e XXXIX das estatísticas que acompanham a Nota para a Imprensa – Política Fiscal.

[10] As operações de mercado aberto são corrigidas pela Selic, mesmo que os títulos utilizados na operação tenham outro perfil. Juridicamente, os títulos são garantias de operações de empréstimos corrigidas pela Selic.

[11] Conforme se depreende do Relatório Mensal da Dívida Pública Federal do Tesouro Nacional, na parte relativa ao custo da dívida mobiliária por tipo de papel. O Relatório encontra-se em http://www.tesouro.fazenda.gov.br/hp/relatorios_divida_publica.asp. A vantagem dos papéis prefixados e atrelados a índices de preços, é que o custo do estoque não sobe com a adoção de uma política monetária mais restritiva.

[12] A composição por indexador desses depósitos pode ser vista na Tabela XI das estatísticas que acompanham a Nota para a Imprensa – Política Fiscal. Em julho de 2011, quase 78% eram indexados à taxa Selic e o restante à TR, por conta dos recolhimentos incidentes sobre os depósitos de poupança.

[13]. Os dados do recolhimento podem ser encontrados em http://www.bcb.gov.br/?INDECO.

[14] As informações sobre a composição da dívida por indexador fornecidas pelo Bacen se referem à divida líquida do setor público. Constam das Tabelas X a XI – B das estatísticas que acompanham a Nota para a Imprensa – Política Fiscal.