Congresso avança sobre o Orçamento

Esse avanço é um procedimento aético, pois não tem como objetivo o bem comum

 Por Roberto Macedo

Quando redigia este artigo, prosseguia o impasse em torno do Orçamento federal de 2021, maquiado pelo Congresso. Abordei o tema no meu artigo anterior neste espaço (Sob comando do Centrão, Congresso corrompeu Orçamento de 2021, 1.º/4). Recorde-se que a Lei Orçamentária Anual (LOA) deste ano só veio no dia 25 deste mês, um atraso que já indicava problemas na sua elaboração.

O mais sério foi o “cancelamento” parcial de despesas obrigatórias (abono salarial, seguro-desemprego, previdência do INSS e outras menores), num total de R$ 26,5 bilhões, para abrir espaço (R$ 26 bilhões) para despesas discricionárias de emendas de interesse do relator do projeto e de parlamentares.

O noticiário anterior e subsequente à LOA e, em geral, sobre questões orçamentárias federais chama a atenção para o avanço político do Congresso no sentido de ampliar sua influência no destino dos gastos. Em entrevista ao jornal O Globo publicada em 21 de março, antes, portanto, da aprovação da LOA, o presidente da Câmara, Arthur Lira, já indicava como pretende lidar com o Orçamento federal. Disse ele: “… vamos buscar o comando do Orçamento. … O Orçamento vem pronto, todo prefixado, com 96% de despesas carimbadas. Defendo a desvinculação total do Orçamento. … Se o Congresso vai votar, se não vai votar… Aí a gente tem que ter o respeito de ouvir todos. A população tem de escolher o deputado: ‘Ah, eu quero que tenha no Orçamento 40% para educação. Então a população vai votar em deputados que defendam a Educação”. Ora, não é assim. O distanciamento entre congressistas e seus eleitores é imenso, em geral estes não são ouvidos. E mesmo se fossem, isso não levaria necessariamente o Orçamento pelos melhores caminhos.

Indagado sobre como buscar o comando do Orçamento, Lira respondeu: “Por que o Executivo é quem tem de tocar o Orçamento… Aí é o erro do Brasil. Onde as maiores democracias são fortes? Onde o Orçamento é do Legislativo. Quem vai executar é o Executivo. Mas quem diz onde vai executar, quanto vai executar e em que área é o Legislativo”.

É outro equívoco. Ele deveria acompanhar o caso dos EUA neste momento em que o presidente Joe Biden tratará com seu Congresso seu imenso programa de fortalecimento da economia e da sociedade americana. Esse programa partiu dele e é o Executivo que tem todo um enorme aparato de ministérios que cuidam de questões específicas e elaboram propostas de aprimoramento. O Congresso não tem esse aparato. Pode aprovar ou não, e até propor algumas mudanças, mas seu papel fundamental é o de legislar.

O que o nosso Congresso quer mesmo é executar ações de interesse de congressistas, voltadas principalmente para suas bases eleitorais nos municípios, o que se expressa claramente por meio das abomináveis emendas parlamentares. Tanto assim é que o grande impasse na discussão da LOA de 2021 diz respeito a essas emendas parlamentares. Em geral, destinam recursos em âmbito municipal a obras e serviços que, principalmente nos municípios pequenos, muito representam eleitoralmente. Essas emendas são aprovadas sem escrutínio pelos demais congressistas e pelas assessorias técnicas do Congresso. É um procedimento aético, pois não visa o bem comum. Como os municípios em geral carecem de mais recursos, estes deveriam ser buscados de forma a alcançar todos eles.

Cecília Machado, professora da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getúlio Vargas, em artigo na Folha, dia 13/4, fez uma avaliação de como essas emendas funcionam mal: “Na prática, a execução descentralizada e atomizada das emendas … pode encontrar … desafios na sua implementação… Primeiro, a discricionariedade individual dos parlamentares na escolha de projetos vem ao custo de uma avaliação mais ampla de alternativas para a aplicação dos recursos, e … é falha na identificação de ações prioritárias. … muitos municípios, especialmente os menores, não têm levantamento prévio de suas necessidades … com critérios técnicos. … Inexistem critérios de necessidade ou custo-efetividade dos projetos, que passam a seguir lógica populista ou eleitoral, … ainda que os maiores gargalos possam estar em outras regiões ou municípios”. A autora segue apontando outros sérios defeitos das emendas parlamentares.

O que fica claro é que a maioria dos congressistas quer mesmo é cevar suas clientelas políticas, de olho na reeleição. Tenho argumentado que se trata de um financiamento público e indireto de campanhas eleitorais em benefício de candidatos já com mandato, que não alcança quem não o tem. Apesar de as emendas estarem na Constituição por emenda constitucional, pode-se argumentar que seriam inconstitucionais por violarem um princípio originário e cláusula pétrea da Carta Magna, o de que todos são iguais perante a lei.

Seria importante que o assunto fosse levado ao Supremo Tribunal Federal. Dada a disposição do deputado Arthur Lira, do lado do Congresso o problema das emendas só tende a se agravar.

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 15 de abril de 2021.