Uma leitura a respeito da gestão imobiliária da União: O caso dos Fundos de Investimentos Imobiliário com o patrimônio da União

Por Felipe Tavares*

O caso brasileiro dos ativos imobiliários da União é repleto de peculiaridades para um microeconomista se debruçar e aplicar os seus conceitos teóricos sobre eficiência alocativa de recursos escassos. Segundo o Balanço Geral da União (BGU)[1], a União possui, aproximadamente 800 mil imóveis, com valor de R$ 1,34 trilhão, sendo este patrimônio dividido entre: “Bens de Uso Especial” (R$ 724 bilhões); “Bens de Uso Comum do Povo” (R$ 335 bilhões); “Bens Dominicais” (R$ 216 bilhões); “Bens Imóveis em Andamento” (R$ 56 bilhões); “Ativos de Concessão de Serviços” (R$ 12 bilhões); “Instalações” (R$ 5 bilhões); e “Outros” (R$ 3 bilhões).

Para se ter ideia do tamanho expressivo do patrimônio imobiliário da União, o valor do estoque imobiliário representa aproximadamente 18% do PIB do Brasil de 2020 (R$ 7,5 trilhões), ou 50% do PIB argentino, 660% do PIB paraguaio, 450% do PIB Uruguaio ou 620% do boliviano, considerando-se o mesmo ano. Os dados do BGU e a comparação com o PIB de diversos países da América do Sul evidencia que a União é o maior concentrador de terras do país.

O estoque expressivo de ativos imobilizados não é afrontoso somente pelo seu valor em si, mas também por demanda relevados esforços em termos orçamentários e de capital humano para ser administrado. A União gasta anualmente em torno de R$ 1,6 bilhão com a manutenção desses imóveis e aluguéis e a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) possui um quadro de aproximadamente 1.200 funcionários mobilizados para a prestação desse serviço.Mesmo com elevados gastos e equipe numerosa, mais de 10 mil imóveis da União estão desocupados, situação que acentua a depreciação dos ativos, que hoje situa-se em torno de R$ 18 bilhões[2] por ano. Isto é, há um custo de oportunidade em manter os ativos imobiliários da União próximos de R$ 20 bilhões/ano, que representa 25% do orçamento executado da educação no Brasil em 2020.

Além dos elevados custos de manutenção, aluguéis e mão de obra, os imóveis desocupados da União normalmente encontram-se em situações de abandono, abrindo espaço, inclusive, para invasões e eventuais tragédias. Um exemplo foi o ocorrido em 2018, quando o antigo prédio da Polícia Federal no centro de São Paulo, que estava irregularmente invadido, incendiou e desabou, gerando um estado de alerta sobre a existência de imóveis de propriedade da União em situações críticas.[3]

É diante deste dilema que Políticas Públicas de desinvestimento se tornam tão importantes e urgentes para o bem-estar da sociedade. Dessa maneira, a alienação do patrimônio da União não representa desmonte do estado, mas sim uma reordenação das prioridades da Nação, contribuindo para a saúde financeira do Estado brasileiro que viabiliza o emprego em gastos prioritários como Saúde, Educação e Segurança.

Mas esse processo de desinvestimento não é tão simples quanto parece. No serviço público, tanto para comprar quanto para vender, é necessário que se utilizem procedimentos regulamentados e transparentes. Afinal, preservar o erário é fundamental para o bem-estar da sociedade.

A Lei nº 13.240 de 30 de dezembro de 2015 dispõe sobre a administração, a alienação, a transferência de gestão de imóveis da União e seu uso para a constituição de fundos de investimento imobiliário (FII). Os FIIs são instrumentos financeiros interessantes para o enfrentamento do problema do excesso de patrimônio imobiliário da União, pois possibilita uma alienação em escala e confere segurança de que o patrimônio da União terá o seu máximo valor de mercado obtido através da precificação das cotas do fundo. Deste modo, uma vez que a União integraliza os seus imóveis em troca de cotas do FII, o imóvel deixa de ser público, portanto, a União aliena o ativo em questão e se torna apenas cotista do fundo com um patrimônio equivalente aos valores de integralização dos imóveis.

Uma das grandes vantagens em utilizar o mecanismo de FIIs para destinar o seu patrimônio é contar com profissionais especializados na gestão dos seus ativos, pois o FII nada mais é do que um condomínio fechado onde os seus integrantes compartilham do interesse comum em investir no mercado imobiliário.O administrador do fundo é o proprietário fiduciário e responsável pelo fundo, mas além do administrador, o FII pode contratar prestadores de serviços especializados como gestores, consultores imobiliários etc. Assim, o FII funciona de forma que gestores especializados criam estratégias para a valorização dos ativos, incorporando capital e destinando os ativos para os seus melhores usos.

Além da gestão especializada, a União transfere ativos ilíquidos subutilizados que geram elevados custos de manutenção e gerenciamento, e potenciais tragédias, por ativos líquidos, de fácil gerenciamento e com baixo custo de carrego. É importante destacar que a integralização não ameaça o patrimônio público, pois, em termos comuns, a União está apenas trocando um ativo por outro e a decisão sobre a venda dessas cotas está a cargo, única e exclusivamente, da própria União.

A estratégia de utilizar FIIs para a alienação do patrimônio público não é novidade.No Brasil, o Estado de São Paulo foi o pioneiro nesta iniciativa, tendo criado o seu FII em 2018 com capital potencial estimado de R$ 1 bilhão e expectativa de monetização de R$ 360 milhões. Em 2021 foi a vez de Angra dos Reis aderir à política, sendo o primeiro município a criar um FII. Os casos de São Paulo e Angra mostram que os FIIs vêm ganhando bastante espaço nas administrações públicas brasileira, sendo um grande passo em direção ao aumento da eficiência da máquina pública, reordenando o senso de prioridade dos governos.

As iniciativas citadas tiveram um longo caminho legislativo para virarem realidade. No entanto, no caso da União, a Lei nº 13.240/15 expressa que não é necessária autorização legislativa específica para a alienação dos seus imóveis, ou seja, a autorização legislativa já foi concedida pela própria lei. Assim, a União não possui barreiras legais para iniciar uma Política Pública que é urgente para o aumento da eficiência do Estado brasileiro.

O projeto “Incorpora Brasil” foi iniciado com a missão de dar vida a essa política pública. O modelo de negócios do projeto passa pela seleção e um gestor profissional em formato competitivo, sendo esta contratação feita no ambiente da bolsa de valores. A seleção do gestor segue critérios específicos técnicos, onde somente os gestores que confirmarem tais requisitos estarão habilitados para concorrer.

Após a seleção do gestor, ele ainda possui um compromisso de integralizar recursos financeiros no fundo, de forma a dar a liquidez inicial necessária a ele. Então, com os imóveis e recursos financeiros integralizados, o capital social do fundo é dividido entre o gestor e a União, sendo as cotas partes dadas pelos valores monetários dos ativos. Em outras palavras, o instrumento constitui o compartilhamento do risco com o gestor, pois este possui seu capital alocado no fundo, o que chamamos de skin in the game.

Deste modo, a União passa a ter um ativo líquido, precificado a mercado, com capacidade de geração de benefício econômico e com elevado grau de governança. O instrumento foi desenhado prevendo uma meta de rentabilidade, ou benchmark, sendo esta a taxa mínima de rentabilidade que o gestor deve entregar à União. Caso o gestor supere a meta, então este passa a ser remunerado pela taxa de performance. Este desenho garante que a União terá um ativo bem gerido, caso contrário o próprio gestor não se remunera.

Diante do exposto, o Projeto Incorpora Brasil traz uma nova perspectiva para a gestão patrimonial da União, trazendo um modelo com elevado padrão de governança e maximização do valor gerado para a sociedade.[4]

[1]Publicado em 25/11/2020 (tesourotransparente.gov.br).

[2]A SRF n° 162/1998 da Receita Federal do Brasil determina que a taxa anual de depreciação de instalações e edificações são iguais a 10% e 4%, respectivamente. Para o patrimônio imobiliário da União foi utilizado 4% como referência na estimação. http://sijut2.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action?&visao=original&idAto=15004.

[3]https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/05/01/desabamento-do-predio-no-largo-do-paissandu-completa-dois-anos.ghtml.

[4] O projeto incorpora Brasil não necessita de nenhuma autorização legal ou infra legal para o seu lançamento, estando integralmente autorizado pela Lei nº 13.240/15. Deste modo, para o seu lançamento basta a publicação de uma portaria específica pela SPU com os imóveis específicos e que o edital de contratação do gestor seja publicado.

* Felipe Tavares é ex-diretor de Projetos da Secretaria Especial de Desestatização do Ministério da Economia