Belo Monte deve ou não deve ser construída?

A resposta a quem examina racionalmente a questão, exclusivamente do ponto de vista dos interesses da população brasileira, é uma só: sim. Para entender o porquê, vamos examinar os questionamentos que vêm sendo urdidos em torno de Belo Monte, muitos dos quais absolutamente desconhecidos pela sociedade brasileira. Os principais são o desmatamento da Floresta Amazônica, o desalojamento dos ribeirinhos e supostos prejuízos à população indígena.

Antes, porém, é preciso estabelecer de plano uma verdade: não existe geração de energia elétrica sem impacto ambiental, o que não é diferente no caso da geração de origem hidráulica, eólica ou solar. Dito isso, vamos aos fatos. De acordo com dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), todas as hidrelétricas construídas e a construir na Amazônia – Belo Monte entre elas – ocupariam apenas 0,16% de todo o bioma amazônico, uma área de 10.500 km², algo como duas vezes o território do Distrito Federal, para se ter um elemento de comparação.

Na série de registros de desmatamentos feitos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entre 1988 e 2010[1], o ano em que menos se desmatou a Amazônia foi o de 2010, quando se consumiu uma área de 7.000 km². Isso significa que a área total a ser ocupada pelos reservatórios de todas as usinas instaladas e potencialmente instaláveis na Amazônia brasileira é inferior à área desmatada em pouco mais de um ano! Ao que tudo indica, portanto, parece mais racional e razoável combater o desmatamento que a construção de hidrelétricas, se o objetivo for preservar a floresta.

O desalojamento de populações ribeirinhas é também um problema importante a ser examinado. Desde que conduzida adequadamente, a remoção dessas populações não deve representar problema. Na maioria dos casos, inclusive, os ribeirinhos vivem em condições miseráveis, em razão do que sua mudança para habitações dotadas de melhor padrão construtivo e sanitário significará uma melhora efetiva das suas condições de vida. Trata-se, neste caso, da remoção dos moradores atingidos pelo projeto, ação que precisa ser corretamente executada pelos empreendedores e tempestivamente fiscalizada pelo poder público.

Pedido recente do Ministério Público Federal para que o Ministério de Minas e Energia ampliasse o prazo de consulta pública do Plano Decenal de Expansão de Energia 2020 baseou-se, entre outros argumentos, no fato de que 113.502 pessoas serão afetadas pelo conjunto de empreendimentos hidrelétricos constantes do Plano, entre os quais a Usina Belo Monte.

Considerando que a energia produzida somente por Belo Monte tem potencial proporcionalmente muito maior – suficiente, por exemplo, para atender a 18 milhões de residências, ou cerca de 60 milhões de pessoas, para ficarmos somente no paralelo residencial –, não seria o caso de se avaliar, com prudência e profundidade, se o Brasil pode prescindir dessa e de outras usinas hidrelétricas apenas para não se ter que realocar, adequadamente, os ribeirinhos atingidos?

Por último, mas não menos importante, vem o tema das terras indígenas,  que são protegidas pela Constituição Federal. Mas, por mais que algumas lideranças indígenas da Amazônia estejam envolvidas na oposição a Belo Monte, o projeto não afeta qualquer reserva indígena, até porque, se assim fosse, não poderia ter sido licenciado. A Funai estava entre os órgãos ouvidos pelo Ibama para o licenciamento da usina e se manifestou favoravelmente à concessão da licença.

Examinemos agora a questão dos pontos de vista econômico e da segurança do abastecimento. A energia elétrica gerada por fonte hídrica é a de melhor relação custo-benefício existente, inclusive do ponto de vista ambiental. Ela praticamente não gera emissões de gases de efeito estufa (GEE) e oferece sub-produtos econômicos importantes: reservação de água para irrigação e consumo, piscicultura, turismo e controle da vazão dos rios, o que evita inundações a jusante das barragens.

As usinas de geração térmica, em contrapartida, não oferecem quaisquer externalidades positivas no seu processo produtivo e são, além disso, grandes emissoras de GEE. As térmicas nucleares, hoje já bastante mais seguras graças aos avanços da tecnologia, embora não sejam grandes emissoras de GEE, ainda precisam resolver o problema da disposição dos resíduos. Mesmo assim, são apontadas pelo cientista e ambientalista James Lovelock[2], criador da Teoria de Gaia, como uma alternativa melhor que as térmicas convencionais.

Examinemos a tabela a seguir, com os preços de geração de energia elétrica por fonte:

Preço de geração de energia elétrica por fonte (R$/MWh) [3]

FonteCusto fixoCVU(R$/MWh)²Preço final
Hidrelétrica de grande porte84,5884,58
Eólica99,5899,58
Hidrelétrica de médio porte147,46147,46
Pequena Central Hidrelétrica158,94158,94
Térmica nuclear148,7920,13168,92
Térmica a carvão159,34169,09328,43
Térmica a biomassa171,44167,23338,67
Térmica a gás natural166,94186,82353,76
Térmica a óleo combustível166,57505,76672,33
Térmica a óleo diesel166,57630,29796,86
Solar FotovoltaicaNão disponível

Fontes: Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS)

Como se vê, os custos da geração hidrelétrica são altamente competitivos. E, neste particular, Belo Monte é especialmente competitiva: vai gerar energia elétrica a R$ 77,97/MWh, valor ainda menor que a média das hidrelétricas de grande porte.

Destaca-se na tabela acima o preço competitivo das geradoras eólicas, atualmente favorecido por uma específica combinação de fatores conjunturais, da qual constam a baixa cotação do dólar, incentivos e condições especiais de financiamento, e os efeitos da crise econômica nos Estados Unidos e na Europa, fenômeno que reduziu dramaticamente a demanda por aerogeradores e tornou o Brasil virtualmente seu único demandante mundial, reduzindo-lhes o custo a níveis bastante baixos.

A fonte eólica, em conjunto com a fotovoltaica de origem solar, é comumente citada como a solução mais responsável, do ponto de vista ecológico, para a geração de energia elétrica. Sim; é verdade que a fonte eólica é uma fonte extremamente limpa; e que, além disso, vem apresentando custos contingencialmente mais baixos. Nada a obstar, portanto, que seu uso se intensifique, mantidas as condições atuais. Mas, neste ponto, é preciso acrescentar à análise de conjunto o fator da segurança do abastecimento.

O sistema brasileiro é fundamentalmente hidrotérmico. As razões para isso são várias. Em primeiro lugar, o Brasil está em terceiro lugar entre os países que dispõem dos maiores potenciais de aproveitamento de energia hidráulica, com 10% da disponibilidade mundial. Vem atrás da China, que dispõe de 13% do total, e da Rússia, que tem 12%. Após o Brasil, vêm o Canadá, com 7%; o Congo e a Índia, com 5%, cada; e os Estados Unidos, com 4%[4]. Nenhum país deixou de usar esses potenciais, e os que puderam já o aproveitaram todo, dada a sua relação custo-benefício.

As usinas hidrelétricas possuem, em geral, reservatórios que permitem a acumulação de água durante as chuvas, para que se possa gerar energia elétrica no período da estiagem. Mas a acumulação de água nem sempre é suficiente para atender a demanda nacional por energia elétrica. Assim, são necessários recursos complementares para assegurar o abastecimento nessas ocasiões, o que é mais adequadamente proporcionado por fontes térmicas.

Embora mais cara e mais poluente, a geração térmica garante a continuidade do abastecimento: basta acionar a usina termelétrica e tem-se a energia necessária no preciso momento em que ela é demandada. Isso já não ocorre com as geradoras eólicas: o vento venta quando venta, e não quando precisamos dele. Como se vê, ainda que a fonte eólica seja limpa e barata, ao menos nas condições atuais, ela somente tem uso como fonte complementar, permitindo poupar água nos reservatórios das hidrelétricas para os períodos de estiagem.

E já que se está falando de reservatórios, há outro ponto importante a ser abordado em relação à construção de novas hidrelétricas, Belo Monte à frente. O projeto dessa usina foi alterado, de modo a reduzir a área alagada pelo reservatório, em função principalmente das fortes objeções de caráter ambiental que enfrentou desde sua origem.

Em razão disso, Belo Monte acabou por tornar-se uma usina a fio d’água, ou seja,  sem reservatório, o que contribuiu fortemente para que sua potência média tenha caído para 4.571 MW, embora ela tenha turbinas capazes de gerar uma potência total de 11.233 MW. No projeto original, Belo Monte geraria 9.600 MW, em média, para uma área inundada de 1.300 km², mais que o dobro do previsto no projeto atual (516 km²). Um reservatório maior permitiria que a usina operasse em maior escala na seca, mais que dobrando sua produção energética média. Agora, os mesmos grupos de pressão que forçaram essa alteração, acusam o projeto de ineficiência, porque só irá gerar a metade do que poderia, uma vez mantidas as condições do projeto original!

Mas a questão dos reservatórios não se restringe a Belo Monte. Em função desse tipo de pressão, outras usinas vêm sendo projetadas sem reservatórios, a fio d’água, contrariando – além do bom senso e do aproveitamento ótimo desse imenso patrimônio nacional – a Lei nº 9.074, de 1995. Isso se converteu no que foi chamado, em outra ocasião, de “política pública de fato”[5].

A Lei nº 9.074/95, em seu art. 5º, § 3º, conceitua de forma precisa aproveitamento ótimo como “todo potencial definido em sua concepção global pelo melhor eixo do barramento, arranjo físico geral, níveis d’água operativos, reservatório e potência, integrante da alternativa escolhida para divisão de quedas de uma bacia hidrográfica.”. O § 2º do mesmo artigo determina que nenhum aproveitamento hidrelétrico poderá ser licitado sem a definição do aproveitamento ótimo pelo poder concedente, no caso, a União.

O inciso 3º do art. 3º da Lei nº 9.427, de 1996, conferia à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) a atribuição de definir o “aproveitamento ótimo”, em nome da União. Contudo, esse dispositivo foi revogado pela Medida Provisória nº 144, de 11 de dezembro de 2003 (convertida na Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004). Posteriormente, essa competência foi de novo delegada à ANEEL por meio do Decreto nº 4.970, de 30 de janeiro de 2004 (art. 1º, inciso II).

Os inventários das bacias hidrográficas podem ser feitos por quaisquer agentes privados ou pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), mediante registro junto à ANEEL, que autoriza a sua realização por despacho. Cabe, também, à Agência, como dispõe mencionado Decreto, a aprovação dos inventários realizados, o que inclui, por óbvio, a verificação do atendimento do requisito aproveitamento ótimo.

Essa “política pública de fato” precisa ser interrompida imediatamente, para evitar um dano irreversível ao patrimônio nacional. Essas decisões equivocadas, na fase de projeto, se transformam em empreendimentos que não exploram plenamente os potenciais hidrelétricos, com grave prejuízo para o País.

Para finalizar, não parece difícil concluir – se o critério de avaliação for o interesse nacional – que Belo Monte deve ser construída, e não apenas ela! Sem desprezar quaisquer outras formas de geração de energia elétrica – cuja oportunidade de uso tem que ser sempre avaliada por critérios econômicos e ambientais responsáveis –, devemos priorizar a construção de usinas hidrelétricas, de modo a manter nossa matriz de geração entre as mais limpas e mais baratas do mundo. Nesse quesito, o Brasil se mostra, uma vez mais, um país rico: seu potencial hidrelétrico inexplorado está estimado em cerca de 130 mil MW, maior que todo o parque gerador brasileiro hoje em operação, com cerca de 116.500 MW instalados.

Cabe à sociedade brasileira – sem prejuízo da questão ambiental, e a partir de informação completa e imparcial – decidir sobre a conveniência dos novos projetos hidrelétricos, porque seguirá sendo necessário obter energia barata e limpa. Precisamos dessa energia para que possamos viver com dignidade, produzir em condições competitivas e, com isso, construir um futuro melhor.

Para saber mais sobre o tema:

Abbud, Omar e Tancredi, Márcio – Transformações Recentes na Matriz Brasileira de Geração de Energia Elétrica: Causas e Impactos Principais – Texto para Discussão nº 69, Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado, Senado Federal, disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD69-OmarAbbud_MarcioTancredi.pdf

Montalvão, E.  (2011). Ambiente e energia: crença e ciência no licenciamento ambiental, parte I. Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal, Texto para Discussão nº 93. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD93-EdmundoMontalvao.pdf

Faria, I.D.  (2011). Ambiente e energia: crença e ciência no licenciamento ambiental, parte II. Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal, Texto para Discussão nº 94. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD94-IvanDutraFaria.pdf

Faria, I.D.  (2011). Ambiente e energia: crença e ciência no licenciamento ambiental, parte III. Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal, Texto para Discussão nº 93. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD99-IvanDutraFaria.pdf

Vídeo no Youtube: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=feG2ipL_pTgP


[1] http://www.obt.inpe.br/prodes/

[2] James Lovelock, Ph.D. em medicina e químico de formação, um dos precursores do movimento ambientalista mundial. Membro da Real Sociedade da Inglaterra e autor de mais de 200 artigos científicos, Lovelock registrou mais de 50 patentes, algumas das quais têm sido usadas pela NASA para a exploração planetária.

[3] Os custos fixos de geração da tabela são preços médios dos Leilões de Energia Nova do período de 2005 a 2010, com exceção do custo da energia eólica, que é o valor alcançado no Leilão de 17/08/2011, primeiro leilão de que participaram as eólicas.

O custo fixo de geração de térmica nuclear é o valor da tarifa estabelecida pela ANEEL para as Usinas Angra I e II em revisão feita em novembro de 2011.

Os valores de CVU (custo variável de geração quando a térmica é chamada a gerar) são médias dos custos variáveis das térmicas utilizados pelo ONS para elaboração da Revisão 3 do Plano Mensal de Operação do mês de setembro de 2011(semana operativa de 17 a 23/09/2011).

[4] Atlas de Energia Elétrica do Brasil, 3ª. ed., 2008, Agência Nacional de Energia Elétrica.

[5] Abbud, Omar e Tancredi, Márcio – Transformações Recentes na Matriz Brasileira de Geração de Energia Elétrica: Causas e Impactos Principais – Texto para Discussão nº 69, Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado, Senado Federal, disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD69-OmarAbbud_MarcioTancredi.pdf