Fragmentação política e políticas públicas

Para Marcos Mendes, o atual sistema político-eleitoral é o principal fator por trás do fracasso dessas políticas.

 Por Roberto Macedo*

Marcos Mendes é um economista de destaque entre seus pares e tem recebido merecida atenção da mídia, como neste jornal e na Folha de sábado passado, ao lançar outro livro. Tem graduação e mestrado em Economia pela Universidade de Brasília e doutorado na mesma área pela Universidade de São Paulo (USP). É consultor legislativo do Senado Federal – cargo obtido por concurso público –, e tem se afastado para exercer outras atividades da sua área de interesse, finanças públicas. Em 2016, no governo Temer, tornou-se assessor especial do ministro da Fazenda.

Seu livro mais conhecido é Por que é difícil fazer reformas econômicas no Brasil? (Elsevier, 2019). Adotei-o como livro-texto do curso de Economia Brasileira que atualmente leciono na USP. Fui atraído pela pergunta que intitula o livro, pois sei dessa dificuldade, procurando entendê-la e buscar soluções, conforme se depreende de artigos meus neste espaço.

O livro começa examinando a dificuldade de que trata seu título, inclusive internacionalmente, ao abordar exemplos de vários países, como Índia e México. Dedica um capítulo à coesão social, cuja ausência dificulta o processo de reforma, no que examina o caso da Austrália.

Ensina que “(…) a maior propensão a fazer reformas liberalizantes, voltada à estabilidade fiscal e aumento da produtividade, ocorre em países que: são pequenos; fizeram reformas antes da abertura política; estão num dos extremos da escala de democracia – plenamente democráticos ou autoritários –; têm sistemas político-eleitorais que facilitam a formação de maiorias no Parlamento; têm clara delimitação e separação dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo; são países com governos unitários; têm Constituições pouco detalhistas ou facilmente alteráveis; são vizinhos de outros países que foram bem-sucedidos na promoção de reformas; têm oportunidade de aderir a blocos econômicos com países vizinhos que tenham economias maiores e mais desenvolvidas; e têm elevado nível de coesão social, representado por baixa desigualdade de renda e baixos índices de violência, que levam a alto nível de confiança mútua. O Brasil não possui essas características”.

Contudo, Mendes não desiste e busca o enfrentamento dos difíceis problemas. Ressalta que “(…) precisamos estar preparados para mais de duas décadas de debates e resistência ao novo (…), não sendo uma corrida de 100 metros, e mais uma maratona”. Dedica um capítulo à dificuldade para fazer reformas no Brasil e o capítulo final, com o título O que fazer, tem 20 seções temáticas que se desdobram num grande número de propostas específicas.

No novo livro, Para não esquecer: políticas públicas que empobrecem o Brasil, que ainda não li, Mendes organizou uma coletânea em que especialistas discutem políticas que fracassaram. Na entrevista a este jornal, citada no início deste meu artigo, indagado sobre o principal fator por trás da baixa qualidade das políticas públicas, apontou o sistema político-eleitoral que gera representação muito fragmentada, com muitos partidos que, de sua parte, também têm interesses muito pulverizados. E, muitas vezes, os parlamentares respondem mais ao interesse de grupos específicos – quando não ao próprio interesse, acrescento – do que ao de uma programação político-partidária.

No momento, por exemplo, estão focados na sua reeleição ou na eleição de outros, recorrendo, inclusive, a mecanismos espúrios, como as emendas de relator, que cevam clientelas políticas municipais em troca de votos. Essas emendas constituem um financiamento indireto de campanhas eleitorais, beneficiando desigualmente os incumbentes, e estes sendo também beneficiados relativamente a candidatos sem mandato, embora a Constituição, no seu artigo 5.º, estabeleça que todos são iguais perante a lei. Mas o que ocorre é um show de desigualdades mediante essas emendas.

Em que pese a fragmentação política, Mendes argumentou, no primeiro livro citado, que uma reforma política não seria a “mãe de todas as reformas”. Após examinar as dificuldades de uma reforma rápida desse tipo, propôs uma gradual e citou a dos regimentos internos da Câmara e do Senado Federal, elaborados à época do regime militar, com seu sistema bipartidário. E argumentou que: “Sua extensão para o contexto multipartidário (…) torna a tramitação dos projetos morosa e muito sujeita a chicanas e obstruções excessivas”. Em conversa recente, contudo, ele disse que os regimentos foram revistos, infelizmente com maus resultados, pois o Centrão os tornou mais expeditos para passar suas boiadas, também impulsionadas pelas sessões remotas trazidas pela pandemia de Covid.

Mas ao menos uma obstrução ainda ocorre pela prerrogativa que o presidente da Câmara tem de decidir isoladamente sobre o andamento de pedidos de impeachment do presidente da República. Soube que há muitos pedidos desse tipo, mas ele não coloca o assunto em discussão. É um presente do Centrão ao presidente da República. E que custa muito caro para o País.

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 2 de junho de 2022.

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